terça-feira, 8 de outubro de 2013

Revista Criança do professor de educação infantil. N 46/ Dezembro de 2008.


A comunicação com bebês e com crianças pequenas: a imitação como forma de conhecer o mundo.

Adrianne Ogêda Guedes 
Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ), professora do curso de especialização em educação infantil da PUC-RJ. Atua também em cursos de formação continuada promovidos pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e foi consultora do Proinfantil.

   Gestos, olhares, balbucios, contato, imitação. A comunicação com bebês e crianças pequenas nos convida a observar com atenção as diferentes formas de expressão que têm curso nesse especial momento, os primeiros anos da vida humana. Dialogar com os bebês requer interagir com suas manifestações e com eles
construir sentidos, apoiando a estruturação da linguagem infantil e de suas formas de comunicação com o mundo. Portanto, conhecer os significados das ações e interações infantis é fundamental para nossa atuação nas creches e pré-escolas. Só assim é possível apoiar de fato a criança quando necessário, incentivando-
a em suas conquistas e aquisições.
    Desde muito pequenas, as crianças já possuem modos de se aproximarem umas das outras, que variam individualmente e de grupo para grupo. Podemos ver crianças bem pequenas, com até 1 ano de idade, que mesmo sem articular a fala encontram formas de estabelecer parcerias pelo movimento, pelos gestos, pela imitação etc. Tomemos essas cenas como exemplos:
      No pátio de um espaço de educação infantil, algumas crianças com idade de até 2 anos estão juntas. Uma delas resolve correr de uma ponta a outra do pátio. Em seguida todas as outras correm, em meio a gostosas gargalhadas.
     Na sala de atividades desse mesmo grupo, a professora traz uma novidade: uma sacola cheia de bolsinhas e bonés. Assim que apresenta o material para as crianças, elas se põem a manipulá-los. Uma das crianças pega uma bolsa, põe um boné e acena, como que se despedindo. Na mesma hora a professora pergunta: “Aonde você vai?”. A criança sorri e responde: “Paia”(praia). A partir daí, o grupo se contagia com o movimento do amigo e o professor vai instigando a brincadeira: “Vocês vão de carro? Quem vai dirigir? Não corre muito viu? Vão tomar sorvete na praia? Etc”. Os comentários da professora vão provocando novas ações, e em pouco tempo todos estão dando tchau, agrupando-se como se estivessem em um carro. Nasceu uma nova brincadeira!
        Todos os dias, em um grupo com idade de até 1 ano, as crianças se reúnem numa sala para brincar. A porta da sala só é fechada na parte inferior. Sendo assim, todos os que chegam por lá, seja para dar um recado, seja para visitar, são vistos pelas crianças. Esse grupo já conhece bem os espaços da creche e em
muitos momentos passeia por eles. Um dos meninos do grupo, bastante ativo e desenvolto em sua caminhada, olha para os visitantes que passam por ali e levanta os braços em direção a eles. Ele quer passear! Para entendermos o significado do movimento de braços deste menino, é preciso levar em conta outras informações que possuímos sobre ele e o grupo. Caso contrário, poderíamos atribuir outros sentidos ao seu movimento (ele poderia estar querendo colo, ou mostrando algo em suas mãos, ou pedindo para ir ao banheiro).
       Quem já não viu cenas como essas? Tais exemplos nos mostram que, a partir do movimento vivido coletivamente, o grupo criou um modo próprio de relação, uma brincadeira cujo disparador foi o corpo e o movimento na observação do outro (e também o objeto, no caso do passeio). Mesmo bem pequenas, as crianças se afetam umas as outras e criam formas próprias de brincarem juntas.

O aprendizado pela imitação
         
       Relacionar-se com o outro se dá de muitas e diversas formas. Uma criança que começou a frequentar a creche pode passar alguns dias ou meses mais observadora. Aparentemente poderíamos dizer que ela não está se relacionando, pois não faz nenhum movimento em direção a outras crianças. No entanto, se observarmos o interesse com que ela acompanha as ações do grupo, os movimentos e brincadeiras que passa a fazer a partir dessa observação, poderemos perceber claramente o quanto a presença do outro influencia suas ações. 
     As experiências partilhadas entre as crianças vão constituindo a história, a cultura do grupo. Essas experiências permitem que as crianças estabeleçam relações de confiança, de intimidade, de pertencimento. Nesse sentido a imitação tem papel importante, o de integrar, criar identificações, significados partilhados coletivamente. 
      A imitação faz parte do desenvolvimento cognitivo e cultural da criança. É pela imitação que ela vai experimentar comportamentos e ações que talvez ainda não fizesse por conta própria. Nesse sentido ela se coloca em situação de aprendizagem, de ampliação de seus recursos de ação. Impulsionada pelos modelos que a cercam, vai criando e incorporando novas formas de ação.


As trocas com o adulto

        Com Vigotski (1987), compreendemos  que a criança, quando imita, apreende a atividade do outro e realiza aprendizagem. Não se trata de mera cópia, uma vez que para imitar alguém ela precisa compreender o comportamento do outro, envolver-se intelectualmente na atividade, o que implica representá-lo e avaliar a adequação de sua imitação. É também desse autor o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal,
que se refere à diferença entre o desenvolvimento atual da criança e aquilo que ela consegue fazer com o auxílio de outras pessoas. A presença e ajuda do outro permite que a criança faça mais do que conseguiria fazer sozinha, atingindo novos níveis de desenvolvimento. Aquilo que a criança realiza hoje com ajuda poderá amanhã realizar sozinha.
          Podemos assim, colocar em destaque a importância das interações das crianças entre si e com os adultos no cotidiano da educação infantil. Partimos do princípio de que o desenvolvimento humanose dá por meio das interações estabelecidas com outros seres humanos, em ambientes físicos e sociais culturalmente
estruturados. Portanto, são essas trocas que se constituem nas oportunidades de crescimento e construção de conhecimentos.

A linguagem do choro

     É nos primeiros anos de vida que muitas crianças frequentam as creches e pré-escolas. Nesse período nossa dependência do outro constitui uma peculiaridade especial do desenvolvimento (Wallon, 2007). Ela vai se transformando gradualmente, à medida que a criança vai conquistando novas formas
de ação.
            Desde bebês possuímos certa organização comportamental e algumas condições para perceber e reagir às situações exteriores, principalmente aos parceiros diversos que formam nosso meio humano.
É na relação com os outros que vamos compreendendo
o mundo, dando significado para as ações, dominando
formas de agir, pensar e sentir presentes em nosso meio cultural, desenvolvendo a capacidade de expressão e de linguagem.
            Tomemos como exemplo o comportamento do bebê em seus primeiros meses de vida. Inicialmente ele chora em reação a diferentes incômodos e ajustes orgânicos: cólicas, sono, fome, necessidades de higiene etc. Os adultos responsáveis pelos cuidados com o bebê reagem ao choro e tomam atitudes para ampará-lo, oferecendo-lhe alimento, colo, trocando suas fraldas etc.
            Pouco a pouco, o bebê percebe que sempre que chora obtém a atenção de seus objetos de afeição. Começa então a chorar não mais como ação reflexa: agora seu choro se torna intencional, isto é, ele chora para obter a atenção desejada e a resolução de seus desconfortos. Depois de algum tempo, podemos até diferenciar quando o choro indica fome, ou sono, ou apenas necessidade de proximidade física. Não apenas o bebê vai controlando seu choro (mais intenso, mais alto), como também os adultos que se relacionam com ele vão aprendendo, na interação, a diferenciar suas formas de expressão e construindo junto com ele novos e diferentes significados, tanto para o choro quanto para os demais gestos expressivos que a criança vai desenvolvendo.

O espaço de educação infantil
               
             Vale destacar que a forma como o adulto vai compreender esse choro será fundamental para que a criança vá também atribuindo sentido  às suas sensações. Para ela, embora reconheça o desconforto físico, a discriminação entre o que exatamente “está " lhe incomodando” não é clara. Se por acaso o adulto reage
ao choro do bebê, achando que sempre que ele chora é porque está com fome e o alimenta, é provável que
o bebê comece a associar suas sensações desconfortáveis àquela forma de conforto apresentada pelo adulto (ao alimento, nesse caso).
           Por isso é importante investigarmos as expressões infantis, tentando compreender os diferentes significados que se expressam em seus comportamentos. Será por meio de nossa ajuda que, desde muito
cedo, o bebê irá compreender e dar sentido ao que sente e vive. Podemos mesmo dizer que nascemos disponíveis para o contato com o outro e dependemos dele para nosso desenvolvimento.
                O aprendizado da convivência é potencializado nos espaços de educação infantil. É nesses locais que privilegiadamente poderemos aprender a negociar com o outro, reconhecer os diferentes pontos de vista, lidar com conflitos de interesse, promover situações cooperativas, internalizar regras, trocar afeto etc. No ambiente das creches e pré-escolas as crianças poderão ter múltiplas oportunidades de se relacionarem, desenvolvendo formas de comunicação variadas. E também de vivenciar os diferentes desafios que a convivência põe em cena. 
          Vimos então que a imitação é uma forma de conhecer o outro, de compreender formas de se relacionar e expressar a partir da vivência com os parceiros, sejam crianças ou adultos. Será a partir da interação que as crianças descobrirão formas socialmente construídas de estar juntas, comunicar-se, elaborarem regras coletivas. É o encontro com o outro que dispara nosso desenvolvimento.


Referências:

GUEDES, Adrianne Ogêda. A comunicação com bebês e com crianças pequenas (Unid. 5 – OTP mód II). Programa de Formação Inicial do Professor da Educação Infantil em Exercício – PROINFANTIL. Brasília: MEC/DPEIEF, 2004.

_____________. O corpo nosso de cada dia. Programa Salto para o futuro. TVE: abril de 2008. (disponível no site do programa).

OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotski - Aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. São
Paulo: Scipione, 1993.

VYGOTSKI, L. S.. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

____________. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007


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