ESCRITO POR DENISE NALINI E DENISE GUILHERME VIOTTO EM .
Espaço escolar afinado com a proposta pedagógica é coadjuvante importante para o ensino e a aprendizagem
O espaço escolar deveria ser educativo por definição, embora nem sempre os atores envolvidos em sua construção/organização – arquitetos, engenheiros, gestores, educadores e crianças – tenham consciência disso. Ele pode ser uma fonte rica de experiências e de aprendizagens, impregnado de signos, símbolos e marcas que, em sua materialidade, comunicam e educam e, exatamente por isso, sua produção, distribuição, posse e usos têm importante papel pedagógico.1
No entanto, como transformar e ressignificar ambientes, muitas vezes áridos, rígidos, pequenos e com poucos recursos, situação que caracteriza a realidade de muitas escolas brasileiras?
No Pró-Saber SP, na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo (SP), algumas soluções encontradas pela direção, pelo corpo docente e alunos parecem oferecer boas respostas a essa e a outras questões referentes à flexibilização e apropriação significativa do espaço escolar.
Do muro externo branco e bem cuidado ao ambiente de recepção da comunidade escolar, sem deixar de lado os diferentes cantos do pátio externo, é possível observar que o trabalho educativo não se limita ao espaço interno das salas de aula, mas que todas as áreas de convívio foram pensadas de maneira a favorecer o aprendizado, fazendo com que a comunidade escolar possa sentir-se acolhida e tenha condições de reconhecer aquele lugar como um espaço que lhe pertence.
Flexibilidade
Na perspectiva de construir uma organização que favoreça diferentes usos de um mesmo ambiente, a entrada da escola, além de ser um espaço de recepção de pais, com uma biblioteca com títulos especialmente selecionados para empréstimo aos adultos, abriga também um ateliê de construção tridimensional que se transforma em espaço de exposição das produções das crianças.
O ambiente da escola deve possibilitar a manipulação e a transformação conforme as decisões tomadas pelos adultos e pelas crianças, abrindo-se a diferentes possibilidades de uso. Ele deve ser capaz de mudar durante o dia e, ao longo do ano, ser constantemente mode lado e redesenhado com base nas experiências realizadas pelos seus ocupantes. Onde for possível, a organização do edifício escolar deve levar em conta todas as transformações cabíveis a longo e a curto prazo.2
A dinamização dos espaços revela também a multiplicidade das atividades desenvolvidas. Assim, a área externa pode ser um ambiente livre para brincadeiras e, em seguida, transformar-se em cabanas, com mesas e lugares para desenhar e pintar. Essas escolhas são validadas continuamente pelo grupo. São os usos que fazem e as potencialidades que encontram nesses espaços que oferecem pistas aos educadores sobre as possibilidades escondidas em cada canto da escola.
Apoio aos relacionamentos
Várias vezes, o ambiente parece extremamente organizado e limpo, mas não há interação, não há mobilidade. Por isso, o cuidado com a funcionalidade também deve estar presente. Os objetos usados pelas crianças, em seu cotidiano, estão acessíveis? Elas conseguem localizá-los e identificá-los? Não basta ser bonito e limpo, é preciso que o espaço possibilite intervenções que favoreçam o aprendizado, oferecendo conforto e sendo reconhecido como um lugar ao qual se pertence.
Também na entrada da escola, elementos do mobiliário servem de apoio para organizar objetos e materiais de uso das crianças. Embaixo dos bancos, as caixas de plástico permitem guardar diferentes jogos de encaixe que transformam esse espaço em uma área de blocos durante o recreio. Esse uso múltiplo é criativo, simples e dá ao ambiente uma mobilidade que inclui as necessidades de diferentes experimentações das crianças.
Essas escolham revelam uma concepção de criança ativa, exploradora e que confere sentidos aos lugares que ocupa. Por isso, a disposição dos objetos no espaço favorece a circulação, os movimentos, a autoria e a autonomia do grupo.
Compreender a educação como mobilizadora da capacidade da criança de produzir sentido sobre o mundo e não repetir padrões existentes implica desenho de espaço e um determinado papel de educador. Ou seja, é necessário levar em conta o diálogo com a expressividade das crianças, o incentivo às suas capacidades de criar cenas, narrativas (com vários suportes), invenção de situações, soluções inusitadas para as questões que emergem no coletivo, permitindo-lhes prosseguir, testar suas hipóteses, experimentar formas novas de relação, sustentar o que constroem.3
Convite à imaginação e à criatividade
Na intenção de que todo espaço seja uma possibilidade de presença do fazer das crianças, a sinalização das diferentes áreas de uso dos alunos foi feita com base na discussão sobre a melhor maneira de grafar algumas palavras. O registro dessas reflexões está escrito na entrada da quadra, por exemplo.
Essa quadra também abriga o espaço do ateliê de técnica mista que se realiza todas as sextas-feiras. É assim que a escola se modifica e revela, nessa mobilidade, toda a intensidade das experiências vividas pelas crianças. Outra forma encontrada para construir um sentimento de pertença ao ambiente é a inclusão de produções das crianças nas paredes, nos murais e demais locais de exposição. Não há espaço para desenhos estereotipados ou representações de personagens que circulam na mídia.
Mais do que comunicar os trabalhos realizados na escola, os materiais colocados nas paredes revelam o processo desenvolvido pelas crianças e oferecem modelos estéticos compartilhados pelo grupo.4
Quando pensamos um espaço para a relação com as crianças, é importante que possamos aliar às qualidades físicas (o que nele é importante ter – objetos para construção, bonecos, papéis de diferentes tamanhos, fantasias etc.) com as qualidades imaginativas (como essas coisas vão convidar a inventar possibilidades, pesquisas, cenas, narrativas? Como, na relação com essas coisas, as crianças vão construir significados?). Essa ideia da flexibilidade do espaço vivido é referendada nas palavras de Bachelard, quando ele afirma que ‘o ser abrigado sensibiliza os limites do seu abrigo…’ (p. 25). Pensamos nos espaços antes de as crianças entrarem, mas quando eles são habitados e vividos é que se tornam ambientes de experiência, ganhando contornos de fato. (Idem.)
Segundo os idealizadores de Reggio Emilia5, os espaços – quando ocupados com consciência – fazem com que as escolas contribuam para a criação e manutenção da sensação de bem-estar e segurança nas crianças. Ou seja, quando idealizadas como espaços educativos de fato, elas favorecem a organização e a promoção de relações agradáveis entre as pessoas, criando um ambiente atraente que oferece mudanças, promove escolhas e possibilita a aprendizagem social, afetiva e cognitiva, condições essenciais para que as crianças possam desenvolver todas as suas potencialidades.
(Denise Nalini é coordenadora pedagógica do Pró-Saber SP e formadora do Instituto Avisa lá, ambos localizados em São Paulo-SP, e consultora nas áreas de Artes, Educação Infantil e Cultura; Denise Guilherme Viotto é editora assistente da Revista Avisa lá)
1Espaço Escolar: um elemento (in)visível no currículo, de Solange Lucas Ribeiro. In: Sitientibus, Revista da Universidade Estadual de Feira de Santana, BA, no 31, p.103-118, jul./dez. 2004. Disponível em: http://www2.uefs.br/sitientibus/pdf/31/espaco_escolar.pdf
2Tradução livre de trecho do livro Children, spaces, relations – metaproject for an environment for young children, de Giulio Ceppi e Michele Zini. Itália: Reggio Children, 1998. p.38.
3Educação Infantil: espaços e experiências, de Daniela O. Guimarães. In: O cotidiano na Educação Infantil. Programa Salto para o Futuro. Boletim 23. Novembro/2006. TV Escola. Ministério da Educação.
4Sobre esse tema, a Revista Avisa lá, de janeiro de 2003, publicou o artigo O que dizem as paredes da escola de Educação Infantil, que discute os valores expressos nas escolhas dos produtos culturais expostos nas paredes escolares.
5Cidade do norte da Itália onde as escolas de Educação Infantil tornaram-se referência mundial em qualidade de ensino, cujo princípio fundamental é a valorização das crianças como construtoras de conhecimento: cada uma individualmente e não em termos gerais. Para saber mais, acesse o site: zerosei.comune.re.it.
Ficha Técnica
- PRÓ-SABER SP
Endereço: Rua Manoel Antonio Pinto, 974 – Paraisópolis. CEP: 05663-020 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3739-3435
E-mail: espaconossacasa@terra.com.br
Diretora geral: Maria Cecília Lins
E-mail: mariacecilialins@gmail.com
Consultora: Denise Nalini
E-mail: denisenalini@hotmail.com
Para saber mais
Livros
- O espaço escolar e suas marcas: o espaço como dimensão material do currículo, de Nilda Alves. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. Tel.: (21) 2232-1768. Site: www.mundoeducacaofisica.com
- A poética do espaço, de Gaston Bachelard. São Paulo: Martins Fontes, 1993. Tel.: (11) 3106-9133. Site: www.martinsfontes.com.br
- Educação Infantil: espaços e experiências, de Daniela O. Guimarães. In. O cotidiano na Educação Infantil. Programa Salto para o Futuro. Boletim 23. Novembro/2006. TV Escola. Ministério da Educação. Disponível em: www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/175810Cotidiano.pdf
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