terça-feira, 30 de junho de 2015

Gigantes e a expressão plástica


 PUBLICADO EM REVISTA AVISA LÁ #49SUSTANÇA
Depois de analisadas diferentes representações de um personagem, crianças constroem expressivo repertório imagético e avançam na técnica da figuração em seus desenhos
Produção de criança da escola Grão de Chão
Produção de criança da escola Grão de Chão
Todos sabemos que as crianças gostam de desenhar e que o desenho é uma das formas que elas encontram de se relacionar com a realidade e representá-la de diferentes maneiras. Desde cedo, ao registrarem no papel algo que possa ser valorizado pelos outros, as crianças ensaiam as primeiras tentativas de figuração e, aos poucos, vão incorporando cada vez mais detalhes às representações, conforme ampliam o repertório visual ao entrarem em contato com a obra de diferentes artistas e com os trabalhos produzidos por outras crianças.
Ao observar o desenvolvimento dos desenhos dos alunos do Grupo 5 da Escola de Educação Infantil Grão de Chão, notei que muitos deles ainda não tinham a representação da figura humana bem estruturada e que faltava observar alguns elementos da relação topológica entre os objetos, como a proximidade e a distância entre eles e as questões referentes ao trabalho com proporção, por exemplo.
Aproveitando o interesse observado no grupo pelas histórias envolvendo personagens fantásticos e animais, centrei o trabalho no personagem gigante para que explorassem, por meio de desenhos, a representação da figura humana e as relações de proporcionalidade desse personagem com os demais seres e objetos para que ele seja considerado um gigante.
Inicialmente, propus a leitura de diferentes contos que tivessem esse personagem como protagonista para que, com base nos elementos descritivos da narrativa e das ilustrações que compunham cada uma das obras, as crianças pudessem criar suas próprias representações.
Composição feita pelas crianças (Foto: Lucília Helena Franzini)
Composição feita pelas crianças (Foto: Lucília Helena Franzini)
Gigantes por quê?
Após o trabalho com leitura, solicitei às crianças que fizessem uma primeira representação de um gigante. Nesses trabalhos, observei que a maior parte dos alunos ainda não era capaz de observar questões referentes à proporção, ou seja, faltava- lhes responder à pergunta: meu gigante é gigante em relação a quê?
Para dar continuidade ao trabalho, retomei as ilustrações das obras lidas e das produzidas pelas crianças e fiz as seguintes perguntas: Como é possível saber, pelos desenhos, que esse personagem é um gigante? O que ele tem de diferente em relação a uma pessoa comum? Nos desenhos de vocês, é possível saber se alguns personagens são gigantes? Por quê?
Após essa reflexão, propus-lhes novo desafio: representar um gigante em um papel maior (folha A1). Informei-lhes que, nesse desenho, deveriam incluir o maior número possível de informações visuais que pudessem deixar o personagem mais próximo das descrições dos contos lidos e das ilustrações observadas nos livros. Pedi-lhes também que explorassem o tamanho do papel, utilizando-o ao máximo em toda a sua extensão para dar a noção de grandeza da figura.
Os desenhos ficaram fantásticos. Foi possível notar que diversas crianças haviam ampliado seu repertório imagético em relação às primeiras representações, pois passaram a incluir detalhes da figura humana pouco observados nas produções anteriores. No entanto, para que pudessem explorar as noções de perspectiva e escala, era preciso estruturar esses desenhos em cenários que contribuíssem para deixar clara a relação de proporcionalidade entre o gigante desenhado e os demais seres e objetos com os quais se relacionaria na representação.
Na aula seguinte, fizemos a apreciação da obra O gigante (1808-1812) de Francisco de Goya (foto ao lado), e observamos a relação entre o personagem e os demais elementos da cena. Quais recursos foram utilizados pelo artista para evidenciar o tamanho do gigante? Depois que as crianças observaram e expressaram suas impressões relativas à obra, conversamos acerca do contexto histórico em que essa obra foi produzida e sobre a vida do artista.
Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um importante pintor espanhol. Dentre suas obras mais conhecidas está o quadro O colosso, cuja autoria ainda hoje é questionada por especialistas. Para alguns estudiosos, a obra teria sido feita por Asensio Juliá, discípulo de Goya e ajudante em seu ateliê.
Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um importante pintor espanhol. Dentre suas obras mais conhecidas está o quadro O colosso, cuja autoria ainda hoje é questionada por especialistas. Para alguns estudiosos, a obra teria sido feita por Asensio Juliá, discípulo de Goya e ajudante em seu ateliê.
Inspirados pela observação do quadro, pedi-lhes que recortassem os personagens desenhados e o colassem em um suporte rígido (de papelão) para, em seguida, inseri-los em um cenário de miniaturas que seria criado em duplas a partir de objetos que encontrassem na escola ou que fossem trazidos de casa. Para ajudá-los nessa tarefa, fizemos a medição dos gigantes desenhados, utilizando um barbante para que analisassem os possíveis elementos que comporiam os cenários em relação ao tamanho do personagem construído por eles.
Observei, por meio dessa atividade, que as crianças puderam explorar unidades de medida não convencionais, experimentando o uso de conceitos relacionados à perspectiva, proporcionalidade e comparação. Era necessário não apenas construir um cenário, mas refletir sobre o tamanho dos objetos que fariam parte da composição, sua posição em relação ao gigante para dar sentido à proposta. Com todas essas criações, os pequenos brincaram livremente, inventando narrativas sobre os personagens.
Pedi-lhes, então, que fizessem um desenho de observação da composição. Nele, foi possível perceber elementos da evolução da figuração: maior presença de detalhes, noções de perspectiva e realismo virtual.

Gigantes que vivem perto de nós 
Para desafiá-los ainda mais a explorar o conceito de proporcionalidade sugeri-lhes que pensassem sobre os gigantes que fazem parte do mundo real. O que conhecemos que poderia ser considerado gigante? Edifícios próximos à escola, árvores, vulcões e dinossauros foram os primeiros a serem lembrados pelas crianças.
Apresentei-lhes algumas esculturas gigantescas impressas no livro Escultura Aventura, de Kátia Canton1, que fazem parte do acervo cultural do Brasil. Obras como Cristo Redentor (Corcovado, RJ), de Heitor da Silva Costa, Mão (Memorial da América Latina, SP), de Oscar Niemeyer e Maman (Museu de Arte Moderna, SP), de Louise Bourgeois, foram algumas imagens apreciadas pelo grupo.
Com isso, as crianças puderam perceber que também é possível estabelecer relações de proporcionalidade em relação aos objetos que fazem parte do cotidiano. Somos gigantes em relação às formigas, e pequenos se comparados a uma escultura como Cristo Redentor, por exemplo.
Ao longo do trabalho, notei que a classe–composta apenas de meninos – também estava fascinada com a ideia de se transformar em seres grandiosos e com superpoderes. Para explorar os elementos fantásticos característicos desse personagem, questionei-lhes: E se fosse possível tornarem-se gigantes? Como seriam? Sugeri-lhes que explorassem as fantasias da escola e se transformassem em gigantes. Durante essa brincadeira, perguntei-lhes como seria esse personagem que estava sendo criado, o que estaria fazendo, de que forma seriam suas roupas etc.
Depois de muita brincadeira, fotografei-os vestidos como gigantes. Em outra aula, com as imagens impressas, pedi-lhes que recortassem as fotografias, colando-as em um suporte. Em seguida, propus-lhes que fizessem uma composição, integrando a imagem do personagem a um cenário no qual ficasse clara a relação de tamanho entre o gigante e os demais elementos do desenho. Novamente, fiquei surpresa com os resultados. Ao notar os recursos empregados pelas crianças para assegurar a proporcionalidade entre a fotografia e as representações que fizeram parte do cenário, percebi que os objetivos haviam sido atingidos.
Gigantes somos nós!
Para finalizar o trabalho, retomamos os personagens criados em uma roda de conversa. Convidei o grupo a construir um gigante coletivo que seria uma mistura de partes do corpo humano criadas pelas crianças. Cada aluno fez o seu gigante, tentando colocar o máximo de detalhes possível. Em seguida, com base na análise dos desenhos, escolheram qual parte gostavam mais e que poderiam ampliar para integrar o gigante coletivo. Com caneta preta e guache, mãos, pés, troncos, pescoços, braços, pernas e cabeças foram desenhadas. Por fim, criamos nosso personagem e sua respectiva ficha técnica.
Ao longo de todo esse processo, notei que o desenho infantil pode integrar-se ao universo de imagens de nossa cultura, a diferentes fontes de informação visual e valores, fugindo da cópia de modelos. A prática, a análise e a observação do trabalho de outros artistas propiciam a reflexão sobre a própria produção, possibilitando avanços no traço das crianças. Basta apenas que nós, educadores, estejamos atentos e que possamos construir nosso repertório, buscando fontes textuais e iconográficas de boa qualidade. Devemos fazer das atividades de desenho um espaço propício para o desenvolvimento cognitivo integrado da percepção, da ação, da imaginação, da sensibilidade em nossos alunos.
Ilustração de criança da Escola Grão de Chão
Ilustração de criança da Escola Grão de Chão
(Mariana Isnard Carneiro, professora de Educação Infantil na Escola Grão de Chão, em São Paulo-SP; e Denise Guilherme Viotto, editora assistente da Revista Avisa lá)
1Escultura Aventura, de Kátia Canton. São Paulo: DCL, 2004. Tel.: 3932-5222. Site: www.editoradcl.com.br

Composições feitas pelas crianças da Escola Grão de Chão

O gigante Kevin
Era noite e, na fazenda, todas as pessoas estavam dormindo. De repente, as pessoas acordaram e ouviram passos bem altos. Elas olharam pela janela e viram que tinha o gigante Kevin no quintal! O gigante levantou os braços e soltou um barulho muito alto. Todas as pessoas saíram correndo, com medo do gigante. Os animais também fugiram dele. O gigante cansou de correr tanto atrás das pessoas e resolveu ir para a praia dar um cochilo. Ele nunca mais voltou à fazenda e as pessoas ficaram felizes. Fim. (Rodrigo e Daniel)
Cabrito e Touro de Fogo
Era uma vez dois gigantes que se chamavam Cabrito e Touro de Fogo. Os dois foram passear em uma cidade. Enquanto andavam, um homem malvado jogou fogo na rua. Os gigantes quiseram apagar o fogo para não machucar ninguém, mas tropeçaram em uma pedra e caíram em cima de um prédio, que desmoronou e derrubou a casa vizinha. Os pedaços da casa caíram em cima do fogo e o apagou. Os dois gigantes se levantaram, viram que estavam sujos e machucados e foram para casa se limpar. (Guilherme e Leonardo)
Gigante coletivo criado pelas crianças da Escola Grão de Chão
Gigante coletivo criado pelas crianças da Escola Grão de Chão
Gigante coletivo
Nome: Ben
Idade: 1.000.000.000 de anos
Alimentação: carne de mosca, de lesma e de barata.
Poderes: soltar fogo e veneno pelas bocas, voar, fazer as coisas congelarem e descongelarem, se transformar em alienígena e correr extremamente rápido.
Velocidade: 400 km/h
Planeta em que vive: Marte

Ficha Técnica

  • Escola Grão de Chão
    Endereço: Rua Tanabi, 275 – Água Branca. CEP 05002-010 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3672-0208
    Site: www.graodechao.com.br
    Diretora e coordenadora de projetos de Artes Visuais: Lucília Helena Franzini E-mail: lucilia@graodechao.com.br
    Professora: Mariana Isnard Carneiro E-mail: mary3000br@yahoo.com.br

Histórias de gigantes

  • O gigante egoísta, de Oscar Wilde. São Paulo: Cortez, 2011. Tel.: (11) 3611-9616. Site: www.cortezeditora.com.br
  • O BGA – o bom gigante amigo, de Roald Dahl. São Paulo: Editora 34, 2009. Tel.: (11) 3032-6755. Site: www.editora34.com.br
  • O campo dos gigantes, de Rosane Pamplona. São Paulo: Brinque Book, 2009. Tel.: (11) 3032-6436. Site: www.brinquebook.com.br
  • O gigante de meias vermelhas e outros contos, de Pierre Gripari. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Tel.: (11) 3106-9133. Site: www.martinsfontes.com.br
  • João e os sete gigantes mortais, de Sam Swope. São Paulo: Cosac Naify, 2008. Tel.: (11) 3823-6584. Site: www.cosacnaify.com.br
  • Contos de gigantes: narrativas do folclore, de Ernani Ssó. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2008. Tel.: (11) 3707-3500. Site: www.ciadasletrinhas.com.br

Para saber mais

Livros
  • O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores, de Rosa Iavelberg. Porto Alegre: Editora Zouk, 2006. Tel.: (51) 3024-7554. Site: www.editorazouk.com.br
  • A criança e seu desenho: o nascimento da arte e da escrita, de Philippe Greig. Porto Alegre: Artmed, 2004. Tel.: 0800 7033444. Site: www.grupoa.com.br

Este conteúdo faz parte da Revista Avisa lá edição #49 de fevereiro de 2012. Caso queira acessar o conteúdo completo, compre a edição em PDF ou impressa através de nossa loja virtual –
http://loja.avisala.org.br

Muito além de carimbar os pés e as mãos


ESCRITO POR MARIANA AMERICANO EM 

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Criança pequena usa principalmente os sentidos visual e tátil para “ler” o mundo e se expressar por meio de materiais, suportes e técnicas.
Quem trabalha com crianças pequenas sabe como lidamos todos os dias com suas conquistas e desenvolvimento. No entanto, diversas pessoas ainda desconfiam de como pode acontecer o trabalho com os pequenos. É comum ouvirmos muitas perguntas: o que você faz com uma criança de 1 ano? Como as crianças se comunicam se ainda não sabem falar? Ah! Mas para que gastar determinado material com crianças que não entendem nada?
Foto: Mariana Americano
Foto: Mariana Americano
Sabemos que as crianças de 1 ano são curiosas, que usam diferentes partes do corpo para conhecer o mundo. Elas acabaram de dar os primeiros passos e ainda estão incorporando esse movimento à sua rotina. E assim como andar, podem cantar, explorar instrumentos, dançar, rolar, desenhar, descobrir o próprio corpo e o do outro. Usam as mãos para descobrir este mundo novo e logo trazem tudo para perto de si, para a barriga, para a boca, para o rosto. Querem sentir, conhecer, ver mais do que os olhos mostram.
Está cada vez mais claro para nós, educadores, que precisamos considerar essas características nas atividades que propomos. E uma das formas de incentivar esse processo é criar o espaço adequado e estipular o tempo necessário para que isso aconteça. Assim, uma das atividades que podem colaborar com esse crescimento é a realização de um Ateliê de Artes, um momento específico do dia para trabalhar com as diferentes linguagens expressivas, dentre elas as atividades plásticas.
Devem ser oferecidos diferentes materiais, instrumentos e suportes para serem explorados pelos pequenos com o corpo e pelo corpo. Deve-se tomar todo o cuidado necessário no momento de preparar essa atividade para que cada material seja devidamente apresentado às crianças. Como educadora, neste momento, observo e auxilio o encontro deles com os materiais.
Experiências no Ateliê
Mas o que exatamente acontece nesse momento com crianças tão pequenas?
O corpo comunica, a mão descobre o corpo e descobre o outro. Você já percebeu como algumas crianças gostam de sentir a tinta fria se espalhando na barriga, chegando até a experimentar o seu gosto? É dessa maneira que estamos instigando e respeitando o jeito de ser das crianças, nas descobertas das diversas linguagens. Pensando nas peculiaridades infantis, preparamos as nossas propostas de Ateliê. Introduzimos novas possibilidades de expressão da criança, respeitando esse desejo de conhecer o mundo por meio do próprio corpo. Planejamos propostas diferentes para um mesmo material: tinta na mesa com as mãos, tinta no papel individual com pincel ou tinta no papel coletivo com rolinho. Percebemos que as três propostas acabam passeando pelo corpo, e, por mais que deixemos claro que “hoje nós vamos usar o pincel e vamos pintar o papel”, conseguimos entender como para as crianças ainda é muito importante sentir a tinta e espalhá-la pelo próprio corpo. Aos poucos, elas vão diferenciando esses momentos, mas agora estão vivendo intensamente essa fase na qual o corpo fala mais alto.
O planejamento da atividade deve contemplar a apresentação dos diferentes materiais, suportes e instrumentos. Claro, independente da idade das crianças, consideramos essa apresentação, mas a especificidade aqui é a descoberta. Entrar em contato, pela primeira vez, com determinado material faz que essa atividade comece de outra maneira, respeitando as sensações e emoções que podem ser provocadas. Se for uma atividade de desenho, podemos oferecer diversos riscadores: lápis, caneta, giz de cera, giz de lousa, giz pastel, carvão, gravetos, enfim tudo o que possa deixar uma marca.
Numa atividade de tinta, podemos utilizar tintas de diferentes texturas e densidades, além de instrumentos diferentes: pincéis variados, rolinho, esponja, cotonete, algodão, entre outros. Nas duas atividades, podem ser considerados os mais diversos suportes, planos e interferências. Um dia pode ser oferecida a mesa da forma convencional, convidando os pequenos a se sentarem nos banquinhos e, em outro, estimulando-os a trabalharem de pé. Também há a possibilidade de alterarmos os planos. Para isso, colocamos um papel na parede e, assim, podemos brincar com a altura do papel e propor um jogo de esticá-lo ou de abaixá-lo, registrando tais marcas. Em outro momento, propostas para que os pequenos trabalhem sentados no chão, com ou sem suportes.
Os recursos do Ateliê e as crianças
E para que tudo isso? Para instigar a curiosidade, para experimentar, sentir prazer e se expressar. Falar e deixar o corpo falar. Ao entrarem em contato com esses materiais, as crianças se expressam e ficam curiosas para descobrir diferentes modos de utilizá-los. Nesse momento não há certo nem errado, existem possibilidades de ampliação do repertório de cada um e do grupo. Assim como não há uma atividade que deu errado, aprendemos a lidar com as nossas expectativas em relação ao que foi planejado, pois muitas vezes a atividade começa de acordo com o que foi proposto e, à certa altura, segue por outro caminho.
Cabe a nós, educadores, planejar e formular hipóteses possíveis de continuidade da atividade. Não é porque um material não foi aceito num dia que ele tem de ser descartado. Nunca me esqueço da cara de aflição de um grupo de crianças a primeira vez que colocaram as mãos na tinta misturada com areia. Naquele dia não houve jeito de fazê-las gostar da atividade proposta, nem mesmo quando nós, adultos, trabalhamos com elas, com a mão literalmente na massa.
Passado algum tempo, os pequenos aceitaram a atividade, completamente felizes com a possibilidade de misturar tinta e areia. A escolha dos suportes é mais um recurso para ampliar o repertório e possibilitar que o corpo trabalhe em diferentes posições. Eles podem ser móveis como papéis, papelões e caixas, ou fixos como o chão, a parede, um vidro, a mesa e até mesmo o próprio corpo. Todos esses suportes podem ser oferecidos pelos professores ou mesmo escolhidos pelas crianças.
Nesse momento, não devemos nos restringir apenas à pintura. Há também modelagem, desenho, colagem e misturas, que são técnicas que oferecem outras formas de expressão das crianças. Ou até mesmo fundir as linguagens, como no caso de uma proposta com farinha de trigo. A farinha pode ser oferecida para as crianças em potinhos espalhados pelo chão com alguns pincéis. Ao som de uma música agradável, as crianças começam a manipular a farinha com os pincéis, depois com as mãos, com a barriga, dançando, deslizando os pés sobre a farinha esparramada no chão. O interessante é que cada criança interage com o material de acordo com a vontade individual. Assim, num mesmo momento, podemos observar crianças muito concentradas, fazendo desenhos minuciosos com o pincel; outras, às gargalhadas, fazendo cócegas com o pincel pelo corpo; algumas fazendo “nuvens de fumaça”, jogando a farinha para o alto; outras apertando a farinha entre as mãos; as que migraram para o plano alto, deslizando-se pelo espaço, deliciando-se com o poder escorregadio da farinha. Assim, como nessa atividade, há diversas outras que propiciam igual riqueza de conteúdos, de envolvimento e de expressividade.
Como a criança se expressa
A criança dessa idade não está preocupada em criar formas definidas nem com o produto final. Para nós, professores, é difícil saber em que momento a criança considera a atividade concluída. Algumas dão a atividade por encerrada porque estão satisfeitas; outras, porque se sentiram atraídas por alguma coisa; e há crianças que ficam tão envolvidas com a atividade que, às vezes, precisam de ajuda para sua conclusão. Durante o trabalho, algumas delas ficam aflitas com a possibilidade de se sujar e querem logo se lavar. Nós, educadores, devemos respeitar essa vontade e, à medida que o vínculo se estabeleça com a criança, podemos propor a continuação do trabalho ou, se for o caso, entender que, para essa criança, a atividade já está concluída. As intervenções, nessa faixa etária, estão diretamente ligadas ao tipo de vínculo estabelecido entre o adulto e a criança.
Essas crianças estão envolvidas com a descoberta e absorvidas pelos prazeres motor e sensorial despertados pela atividade proposta. Quando começam a trabalhar, elas estão muito mais motivadas pelo prazer motor; braço e instrumento parecem uma coisa só, e o corpo também trabalha como um bloco. Aos poucos, sua concepção corporal vai mudando e elas vão adquirindo mais coordenação motora. Conforme o movimento é realizado, elas percebem os efeitos produzidos.
Com crianças de 1 ano, é muito difícil elas se darem conta do que estão produzindo. Cada gesto e cada movimento feito ganham o encantamento da percepção desse prazer motor, aliado a todo o prazer sensorial despertado pelo contato com os materiais, temperaturas e texturas diferentes. A variação das características dos materiais oferecidos é ótimo exemplo de como trabalhar as sensações. Os materiais podem estar à disposição simultaneamente: um papel liso e um papel lixa, uma mistura tipo finger1 bem quentinha e uma tinta guache, normalmente geladinha. Ou então a variação dessas características pode ser experimentada em dias alternados, vivenciando as sensações sem a preocupação da comparação. E mesmo que os prazeres motor e sensorial sejam destacados, não deixamos de pontuar os efeitos produzidos.
Vale destacar que somente mais tarde é que o prazer visual vai ganhar espaço. Cada criança descobre um jeito próprio de se expressar, e nós, mais do que observadores, podemos ampliar esse repertório, mostrando algumas formas de segurar os instrumentos e salientando as descobertas feitas, que podem ser enriquecedoras para todos.
Algumas vezes os pequenos fazem o esperado, mas também nos surpreendem com o inusitado. Durante a intervenção do professor na atividade, é importante apoiar as descobertas feitas pelas crianças e auxiliá-las quanto ao uso dos materiais. Assim, oferecemos, por exemplo, troca de cores ou outro material ainda não utilizado. Às vezes, a simples admiração do trabalho realizado pelas crianças e a atenção dada durante todo o processo dão a elas a segurança para continuar as investigações.
Em decorrência da mescla de atividades individuais e coletivas surge a possibilidade do encontro dos trabalhos realizados individual e coletivamente. Muitas vezes uma criança observa o que a outra está fazendo e quer imitá-la ou procura outras maneiras de se expressar. Algumas querem ensinar o que sabem aos amigos, outras usam o amigo como suporte. Cabe a nós observar e perceber se é necessária uma intervenção ou não.
Certa vez, numa atividade de desenho, um menino desenhava muito concentrado, sentado em seu banquinho, enquanto o amigo só queria fazer seu carrinho passear pela parede. Em determinado momento, os dois se encontraram e, juntos, produziram um novo desenho. Traço de um e traço do outro; encontro de giz, de carrinho e de muita cumplicidade. Assim, preserva-se a expressão de cada um e privilegiam-se encontro e descoberta do trabalho realizado conjuntamente. É uma forma de dividir o espaço e de compartilhá-lo.
Repetir uma mesma proposta com a turma pode ser uma experiência bastante enriquecedora, porque ela pode instigar a criança a explorar um determinado material de outra forma. Repetir o que foi feito no dia anterior pode fazer que a criança se aproprie do conhecimento produzido e se sinta segura para explorar mais. Dessa forma, buscamos sempre o equilíbrio entre a novidade e a repetição. Uma busca pela observação do grupo, um olhar delicado que tenta captar a conversa de cada um com o seu trabalho e com o próprio corpo.
(Mariana Americano, formadora do Instituto Avisa Lá e professora de Educação Infantil da Escola Viva, em São Paulo – SP)
1Pintura produzida com os dedos.
Foto: Mariana Americano
Foto: Mariana Americano

Dicas para observação do professor:

Materiais – como a criança:
  • entra em contato com o material.
  • lida com a variedade de materiais.
  • reage quando se suja.
  • interage com o material.
Suportes – Se a criança:
  • aceita o suporte oferecido.
  • se detém nos limites do suporte.
  • cria um jeito de utilizar o suporte.
Instrumentos
  • Como a criança segura os instrumentos.
  • Se a criança aceita os instrumentos oferecidos.
  • Se a criança busca alternativas de segurá-los.
Intervenção do professor
  • Cuidar da segurança e do bem-estar da criança.
  • Auxiliar a criança a conhecer os materiais, suportes e instrumentos.
  • Oferecer possibilidades à criança, auxiliando na pesquisa de cada um.
  • Mostrar os efeitos produzidos, ressaltando a autoria de cada um.
  • Auxiliar na finalização dos trabalhos, na limpeza do corpo.
  • Organizar o ambiente.

Ficha Técnica

  • Professora: Mariana Americano
    E-mail: americano.mariana@gmail.com
  • Escola Viva
    Endereço: Rua Prof. Vahia de Abreu, 664 – Vila Olímpia. CEP 04549-003 – São Paulo – SP. Tel.: (11) 3040-2250 Site: www.escolaviva.com.br

Para saber mais

Livro
  • Baby-Art – os primeiros passos com a arte, de Anna Marie Holm. São Paulo: Museu de Arte Moderna (MAM), 2007. Tel.: (11) 5085-1300. E-mail: atendimento@mam.org.br. Site: www.mam.org.br

Este conteúdo faz parte da Revista Avisa lá edição #47 de agosto de 2011. Caso queira acessar o conteúdo completo, compre a edição em PDF ou impressa através de nossa loja virtual –
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terça-feira, 23 de junho de 2015

Literatura e formação de repertório


ESCRITO POR DENISE NALINI, LAURA MOMBERG, LIA OLIVAL COSTA, MÁRCIA FÉLIX E MARIA CECÍLIA LINS EM 


PUBLICADO EMREVISTA AVISA LÁ #49, TEMPO DIDÁDICO


Por meio da leitura de diferentes obras, crianças ampliam o conhecimento sobre literatura e aprendem a indicar os livros de que mais gostaram

Formar leitores é uma tarefa a ser realizada principalmente pela escola, e é no contato frequente com variadas obras que as crianças vão conhecendo títulos, autores, ilustradores; identificando suas preferências; definindo critérios de escolha; construindo novos sentidos para os textos lidos, compartilhando-os. Por meio das diferentes modalidades de leitura (ler, escutar leituras e comentar), elas constroem seu percurso leitor e, pouco a pouco, tornam-se parte de uma comunidade de leitores capazes de seguir a leitura de quem lê em voz alta, expressar as impressões causadas pelo texto lido, perceber diferenças entre as obras e o modo como são lidas e selecionar as que mais lhe agradam.
Trabalhar com a escrita de indicações literária com crianças de 4 e 5 anos é oferecer-lhes a oportunidade de entrar em contato com o livro de modo diferente.
Ao ler para sugerir que outros tenham contato com a obra, as crianças colocam em jogo comportamentos leitores complexos, pois é necessário olhar o livro como um todo para justificar sua leitura, observando as características do portador, a qualidade estética da edição, o estilo do autor, a extensão da obra, as características dos personagens, o enredo, as imagens etc., relacionando esses elementos ao destinatário do texto a ser escrito: o leitor da indicação.
Fotos: Lia Olival Costa e Márcia Félix
Fotos: Lia Olival Costa e Márcia Félix
Livros para as crianças e famílias
A preocupação com a leitura e a escrita é um dos fatores que marca a organização do Pró-Saber SP que, desde o início do atendimento, teve preocupação com a construção de uma prática que garantisse o acesso aos livros para as crianças e seus familiares. É importante ressaltar que na Comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, vivem aproximadamente 65 mil habitantes, dos quais 40% aproximadamente são considerados analfabetos funcionais, ou seja, não utilizam com desenvoltura a leitura e a escrita. Dessa forma, uma das primeiras ações a ser instituída ao longo desses anos era a informação às famílias, na inscrição e na matrícula, de que as crianças levariam livros para casa.

Essa atividade permanente e a crença de que só o acesso poderia garantir a aprendizagem do cuidado com os livros levaram cada professora a estabelecer uma dinâmica própria para o empréstimo de livros. Atualmente o empréstimo é semanal, e em algumas turmas as crianças chegam a levar 2 a 3 livros por semana.
A leitura no dia a dia
Garantimos também na rotina com as crianças um momento dedicado à leitura, logo após o recreio. E em nossos encontros com professores e funcionários discutimos e realizamos leituras e indicações de livros. A crença de que o processo de alfabetização se constrói pelo contato constante com uma diversidade de textos e que gostar de ler é uma construção diária mobiliza o nosso fazer.

Assim, todas as manhãs, as professoras dedicam um tempo para conversar com os pais ou responsáveis sobre os livros levados para casa. A intenção não é obrigar a ler, mas conversar sobre essa prática, saber se a criança leu, se leram juntos, se viram as imagens, se gostaram do livro, se querem levar outro livro. Esse investimento cotidiano reverte-se em muitos ganhos, entre eles o de se tornar mais um instrumento que nos aproxima da comunidade, pois partilhar do encantamento que as histórias suscitam estabelece outro tipo de ligação, para além dos problemas e das responsabilidades. Portanto, ao planejar o projeto de produção de indicações literárias1, tínhamos boa parte do caminho trilhado, pois havia conhecimento e familiaridade das turmas, dos professores, de funcionários, das crianças e dos pais com os livros.
Aprendemos que a possibilidade de ter um livro de boa qualidade, com ilustrações bem-feitas e histórias interessantes, agrada a todos. Descobrimos também que é preciso ter acesso a bons modelos de produção literária para construir o gosto e definir critérios estéticos que orientam a escolha de novas obras. Nessa troca todos ganharam: as crianças aprenderam que quanto melhor é o livro mais ele é usado; as professoras aprenderam a negociar, cobrar, acolher e consertar os livros; as famílias aprenderam que ler com os filhos é uma diversão. Como a leitura possibilita inúmeras interpretações, ela permite a flexibilização do modo de entender as questões da vida e a observar outros pontos de vista. Como num comentário sobre o livro A casa dos beijinhos, de Claudia Bielinsky: “Eu achava que era uma casa cheia de doces”, disse uma mãe. O contato com as pessoas por meio dos livros nos torna mais conscientes de quem somos, de quem são nossas crianças, nossas famílias e do mundo em que vivemos.
Projeto: construção coletiva
A construção do projeto coletivo se deu em uma reunião com todos os professores, e das atividades vividas pudemos enumerar os objetivos gerais que orientariam os projetos de cada turma. A experiência de construir um trabalho dessa forma requer o comprometimento de todos com um produto que é da escola. Esse compromisso amplia o que cada um sabe, possibilitando a troca entre os professores. Nas reuniões, costumávamos brincar que estávamos ficando mais inteligentes. Pura verdade, pois uma atividade ao ser desenvolvida e adaptada para várias turmas, ao ser retomada ganhava novos significados, acrescidos de saberes e de formas de proceder não pensados anteriormente. Foi dessa forma que idealizamos a inauguração da biblioteca, evento que uniria o trabalho de indicação e de empréstimo de livro que já fazíamos.

A atividade inicial foi organizar semanalmente uma ação na qual um livro seria indicado pelos grupos de crianças. Cada grupo criou um painel no qual deixava por escrito o livro indicado. As professoras liam para outras turmas e, com base na indicação, convidavam o grupo para falar sobre o livro ou lê-lo. Uma turma lia para outra, enviava bilhetes sobre um livro descoberto. Isso foi se tornando parte do cotidiano, e assim se constituiu o acervo predileto de cada turma, que saía da biblioteca para o parque, para o caramanchão, para as árvores. A proposta era convidar os pais para conhecer a biblioteca e, assim, descobrirem os livros “mais queridos” de cada turma.
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Condições didáticas criadas
De acordo com as professoras Laura, Lia e Márcia Félix, que acompanharam um dos grupos, “logo nas primeiras atividades do projeto percebemos que o investimento na leitura diária gerou grande conhecimento do universo literário. As crianças escolhiam e sabiam qual obra queriam levar para casa. No entanto, a ideia de indicar um livro e justificar essa escolha ainda era estranha ao grupo.”

Usamos uma estratégia afetiva para iniciar as crianças nas práticas da indicação. Nas primeiras rodas de conversa sobre os livros levados para casa, após os comentários iniciais, as crianças foram questionadas: Quem de nossa turma vocês gostariam que levasse esse livro? Por quê? As primeiras indicações eram de ordem afetiva, justificadas pelas parcerias nas brincadeiras conjuntas. O indicado era sempre um amigo, e o motivo era a amizade, o vínculo que os unia. Concluímos que as relações de afeto estabelecidas com o colega para o qual indicavam um livro eram um bom ponto de partida. Entretanto, no percurso do projeto, ampliamos as aprendizagens e levamos as crianças a perceber critérios diferenciados para a escolha, como o gênero, o assunto, a qualidade da ilustração, e elementos da linguagem empregada pelo autor, como o caráter inusitado ou engraçado do texto.
Com esse novo desafio, as crianças começaram a escolher os livros para levar para casa, para ler e conversar na roda de devolutiva dos livros, enfatizando o que lhes chamava a atenção e os atraía ao ler um texto literário. As indicações recebidas de outras turmas e dos funcionários e a organização dos títulos preferidos para a inauguração da biblioteca alimentaram e contribuíram para que as crianças aprendessem ainda mais sobre o gênero indicação literária e pudessem perceber outros elementos que poderiam justificar a escolha de um livro. Alguns alunos passaram a citar trechos do texto que acharam relevantes; outros argumentaram dizendo que o tema era interessante; outros, ainda, centraram-se na presença de alguns personagens queridos como critério para indicação do livro ao colega.
O manuseio e a leitura de catálogos de editora e, especialmente, a leitura de um livro de indicações escritas por crianças de outra escola ajudaram a ampliar o repertório da turma, oferecendo-lhes bons modelos de textos que poderiam apoiar o trabalho de escrita a ser realizado posteriormente. Ao observarmos os textos elaborados por crianças da mesma faixa etária e evidenciarmos os critérios que justificavam as indicações, observamos diferentes motivos que podem apontar a qualidade de uma obra.
Com isso, as crianças foram desafiadas a escrever suas indicações. Primeiro, coletivamente e, depois, individualmente, sempre tendo a professora como escriba. Nesse momento, com a ajuda da classe, as crianças perceberam que não é preciso narrar todo o texto para indicá-lo a alguém, e que apenas dizer que o livro é bom ou legal, sem explicitar os motivos, não oferece bons elementos para que outros leitores possam antecipar o conteúdo do texto e, assim, despertar o interesse pela obra.
Pouco a pouco, os textos começaram a avançar e a escola foi tomada por indicações espalhadas em todos os lugares. Professores e funcionários falando sobre as obras lidas, crianças entregando bilhetes aos professores para que lessem os livros apreciados por eles, turmas comentando entre si as indicações recebidas pelos colegas. Percebemos que, para além das impressões compartilhadas nessas situações de leitura, ao tornarem-se parte de uma comunidade de leitores, os alunos vão construindo conhecimentos implícitos sobre os gêneros, os autores, os ilustradores que, aos poucos, vão ajudando-os a criar seus critérios de escolha, justificando-os.
Com isso, a comunidade escolar percebeu que a leitura é uma experiência que nos aproxima e nos faz compartilhar interesses comuns. E que ao compartilharmos indicações literárias traçamos nosso percurso leitor, recriando nossa história, ressignificando-a, sempre tendo por base a palavra escrita, o mundo e as relações estabelecidas.
(Denise Nalini, coordenadora pedagógica do Pró-Saber SP, formadora do Instituto Avisa Lá, ambos localizados em São Paulo-SP, e consultora nas áreas de Artes, Educação Infantil e Cultura; Laura Momberg, Lia Olival Costa e Márcia Félix, professoras no Espaço Nossa Casa; e Maria Cecília Lins, diretora geral do Pró-Saber)
1Esse projeto nasceu do compromisso do Pró-Saber SP com a criação de contextos significativos para a alfabetização das crianças das classes populares associado ao desejo da comunidade de Paraisópolis de selecionar a leitura como tema para a Mostra Cultural de 2011.

Ficha Técnica

  • PRÓ-SABER SP
    Endereço: Rua Manoel Antonio Pinto, 974 – Paraisópolis. CEP: 05663-020 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3739-3435
    E-mail: espaconossacasa@terra.com.br
    Diretora geral: Maria Cecília Lins
    E-mail: mariacecilialins@gmail.com
    Professoras: Laura Momberg, Lia Olival Costa e Márcia Félix
    E-mails: laura.momberg@msn.com; liaolival@uol.com.br e marcia.afelix@terra.com.br
    Site: http://prosabersp.org.br/

Para saber mais

Livros
  • A formação do leitor literário, de Teresa Colomer. São Paulo: Global, 2003. Tel.: (11) 3277-7999. Site: www.globaleditora.com.br.
  • Contando histórias, formando leitores, de Ana Maria Machado e Ruth Rocha. Campinas: Papirus, 2011. Tel.: (19) 3272-4500. Site: www.papirus.com.br.

Este conteúdo faz parte da Revista Avisa lá edição #49 de fevereiro de 2012. Caso queira acessar o conteúdo completo, compre a edição em PDF ou impressa através de nossa loja virtual –
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Espaço escolar bem planejado

ESCRITO POR DENISE NALINI E DENISE GUILHERME VIOTTO EM 

Espaço escolar afinado com a proposta pedagógica é coadjuvante importante para o ensino e a aprendizagem
Foto: Denise Nalini
Foto: Denise Nalini
O espaço escolar deveria ser educativo por definição, embora nem sempre os atores envolvidos em sua construção/organização – arquitetos, engenheiros, gestores, educadores e crianças – tenham consciência disso. Ele pode ser uma fonte rica de experiências e de aprendizagens, impregnado de signos, símbolos e marcas que, em sua materialidade, comunicam e educam e, exatamente por isso, sua produção, distribuição, posse e usos têm importante papel pedagógico.1
No entanto, como transformar e ressignificar ambientes, muitas vezes áridos, rígidos, pequenos e com poucos recursos, situação que caracteriza a realidade de muitas escolas brasileiras?
No Pró-Saber SP, na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo (SP), algumas soluções encontradas pela direção, pelo corpo docente e alunos parecem oferecer boas respostas a essa e a outras questões referentes à flexibilização e apropriação significativa do espaço escolar.
Do muro externo branco e bem cuidado ao ambiente de recepção da comunidade escolar, sem deixar de lado os diferentes cantos do pátio externo, é possível observar que o trabalho educativo não se limita ao espaço interno das salas de aula, mas que todas as áreas de convívio foram pensadas de maneira a favorecer o aprendizado, fazendo com que a comunidade escolar possa sentir-se acolhida e tenha condições de reconhecer aquele lugar como um espaço que lhe pertence.
Flexibilidade
Na perspectiva de construir uma organização que favoreça diferentes usos de um mesmo ambiente, a entrada da escola, além de ser um espaço de recepção de pais, com uma biblioteca com títulos especialmente selecionados para empréstimo aos adultos, abriga também um ateliê de construção tridimensional que se transforma em espaço de exposição das produções das crianças.

O ambiente da escola deve possibilitar a manipulação e a transformação conforme as decisões tomadas pelos adultos e pelas crianças, abrindo-se a diferentes possibilidades de uso. Ele deve ser capaz de mudar durante o dia e, ao longo do ano, ser constantemente mode lado e redesenhado com base nas experiências realizadas pelos seus ocupantes. Onde for possível, a organização do edifício escolar deve levar em conta todas as transformações cabíveis a longo e a curto prazo.2
A dinamização dos espaços revela também a multiplicidade das atividades desenvolvidas. Assim, a área externa pode ser um ambiente livre para brincadeiras e, em seguida, transformar-se em cabanas, com mesas e lugares para desenhar e pintar. Essas escolhas são validadas continuamente pelo grupo. São os usos que fazem e as potencialidades que encontram nesses espaços que oferecem pistas aos educadores sobre as possibilidades escondidas em cada canto da escola.
A entrada da escola abriga também um  ateliê de construção tridimensional (foto: Denise Nalini)
A entrada da escola abriga também um ateliê de construção tridimensional (foto: Denise Nalini)
Apoio aos relacionamentos
Várias vezes, o ambiente parece extremamente organizado e limpo, mas não há interação, não há mobilidade. Por isso, o cuidado com a funcionalidade também deve estar presente. Os objetos usados pelas crianças, em seu cotidiano, estão acessíveis? Elas conseguem localizá-los e identificá-los? Não basta ser bonito e limpo, é preciso que o espaço possibilite intervenções que favoreçam o aprendizado, oferecendo conforto e sendo reconhecido como um lugar ao qual se pertence.

Também na entrada da escola, elementos do mobiliário servem de apoio para organizar objetos e materiais de uso das crianças. Embaixo dos bancos, as caixas de plástico permitem guardar diferentes jogos de encaixe que transformam esse espaço em uma área de blocos durante o recreio. Esse uso múltiplo é criativo, simples e dá ao ambiente uma mobilidade que inclui as necessidades de diferentes experimentações das crianças.
Essas escolham revelam uma concepção de criança ativa, exploradora e que confere sentidos aos lugares que ocupa. Por isso, a disposição dos objetos no espaço favorece a circulação, os movimentos, a autoria e a autonomia do grupo.
Compreender a educação como mobilizadora da capacidade da criança de produzir sentido sobre o mundo e não repetir padrões existentes implica desenho de espaço e um determinado papel de educador. Ou seja, é necessário levar em conta o diálogo com a expressividade das crianças, o incentivo às suas capacidades de criar cenas, narrativas (com vários suportes), invenção de situações, soluções inusitadas para as questões que emergem no coletivo, permitindo-lhes prosseguir, testar suas hipóteses, experimentar formas novas de relação, sustentar o que constroem.3
Convite à imaginação e à criatividade
Na intenção de que todo espaço seja uma possibilidade de presença do fazer das crianças, a sinalização das diferentes áreas de uso dos alunos foi feita com base na discussão sobre a melhor maneira de grafar algumas palavras. O registro dessas reflexões está escrito na entrada da quadra, por exemplo.

Essa quadra também abriga o espaço do ateliê de técnica mista que se realiza todas as sextas-feiras. É assim que a escola se modifica e revela, nessa mobilidade, toda a intensidade das experiências vividas pelas crianças. Outra forma encontrada para construir um sentimento de pertença ao ambiente é a inclusão de produções das crianças nas paredes, nos murais e demais locais de exposição. Não há espaço para desenhos estereotipados ou representações de personagens que circulam na mídia.
Mais do que comunicar os trabalhos realizados na escola, os materiais colocados nas paredes revelam o processo desenvolvido pelas crianças e oferecem modelos estéticos compartilhados pelo grupo.4
Quando pensamos um espaço para a relação com as crianças, é importante que possamos aliar às qualidades físicas (o que nele é importante ter – objetos para construção, bonecos, papéis de diferentes tamanhos, fantasias etc.) com as qualidades imaginativas (como essas coisas vão convidar a inventar possibilidades, pesquisas, cenas, narrativas? Como, na relação com essas coisas, as crianças vão construir significados?). Essa ideia da flexibilidade do espaço vivido é referendada nas palavras de Bachelard, quando ele afirma que ‘o ser abrigado sensibiliza os limites do seu abrigo…’ (p. 25). Pensamos nos espaços antes de as crianças entrarem, mas quando eles são habitados e vividos é que se tornam ambientes de experiência, ganhando contornos de fato. (Idem.)
Segundo os idealizadores de Reggio Emilia5, os espaços – quando ocupados com consciência – fazem com que as escolas contribuam para a criação e manutenção da sensação de bem-estar e segurança nas crianças. Ou seja, quando idealizadas como espaços educativos de fato, elas favorecem a organização e a promoção de relações agradáveis entre as pessoas, criando um ambiente atraente que oferece mudanças, promove escolhas e possibilita a aprendizagem social, afetiva e cognitiva, condições essenciais para que as crianças possam desenvolver todas as suas potencialidades.
(Denise Nalini é coordenadora pedagógica do Pró-Saber SP e formadora do Instituto Avisa lá, ambos localizados em São Paulo-SP, e consultora nas áreas de Artes, Educação Infantil e Cultura; Denise Guilherme Viotto é editora assistente da Revista Avisa lá)
1Espaço Escolar: um elemento (in)visível no currículo, de Solange Lucas Ribeiro. In: Sitientibus, Revista da Universidade Estadual de Feira de Santana, BA, no 31, p.103-118, jul./dez. 2004. Disponível em: http://www2.uefs.br/sitientibus/pdf/31/espaco_escolar.pdf
2Tradução livre de trecho do livro Children, spaces, relations – metaproject for an environment for young children, de Giulio Ceppi e Michele Zini. Itália: Reggio Children, 1998. p.38.
3Educação Infantil: espaços e experiências, de Daniela O. Guimarães. In: O cotidiano na Educação Infantil. Programa Salto para o Futuro. Boletim 23. Novembro/2006. TV Escola. Ministério da Educação.
4Sobre esse tema, a Revista Avisa lá, de janeiro de 2003, publicou o artigo O que dizem as paredes da escola de Educação Infantil, que discute os valores expressos nas escolhas dos produtos culturais expostos nas paredes escolares.
5Cidade do norte da Itália onde as escolas de Educação Infantil tornaram-se referência mundial em qualidade de ensino, cujo princípio fundamental é a valorização das crianças como construtoras de conhecimento: cada uma individualmente e não em termos gerais. Para saber mais, acesse o site: zerosei.comune.re.it.
Exposição das produções das crianças confere identidade ao espaço (foto: Denise Nalini)
Exposição das produções das crianças confere identidade ao espaço (foto: Denise Nalini)

Ficha Técnica

  • PRÓ-SABER SP
    Endereço: Rua Manoel Antonio Pinto, 974 – Paraisópolis. CEP: 05663-020 – São Paulo – SP
    Tel.: (11) 3739-3435
    E-mail: espaconossacasa@terra.com.br
    Diretora geral: Maria Cecília Lins
    E-mail: mariacecilialins@gmail.com
    Consultora: Denise Nalini
    E-mail: denisenalini@hotmail.com

Para saber mais

Livros
  • O espaço escolar e suas marcas: o espaço como dimensão material do currículo, de Nilda Alves. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. Tel.: (21) 2232-1768. Site: www.mundoeducacaofisica.com
  • A poética do espaço, de Gaston Bachelard. São Paulo: Martins Fontes, 1993. Tel.: (11) 3106-9133. Site: www.martinsfontes.com.br
  • Educação Infantil: espaços e experiências, de Daniela O. Guimarães. In. O cotidiano na Educação Infantil. Programa Salto para o Futuro. Boletim 23. Novembro/2006. TV Escola. Ministério da Educação. Disponível em: www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/175810Cotidiano.pdf

Este conteúdo faz parte da Revista Avisa lá edição #49 de fevereiro de 2012. Caso queira acessar o conteúdo completo, compre a edição em PDF ou impressa através de nossa loja virtual –
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