Chega de casinhas com chaminés. A criatividade
aparece quando você investe no trabalho com desenhos na creche e na pré-escola
Tatiana Achcar
Foto: Gilvan Barreto
Quando
eu tinha 15 anos, sabia desenhar como Rafael, mas precisei de uma vida inteira
para aprender a desenhar como as crianças." A frase do artista espanhol
Pablo Picasso (1881-1973) - referindo-se ao pintor renascentista Rafael Sanzio
(1483-1520) - demonstra a importância de valorizar a riqueza artística nata dos
pequenos. "É comum a idéia de que o desenho é uma ação espontânea da
criança e que, portanto, não precisa ser desenvolvido", afirma a psicóloga
Mônica Cintrão, da Universidade Paulista, em São Paulo. Num outro extremo está
o uso de figuras infantilizadas produzidas por adultos, como elefantes com
lacinhos, reduzindo o aprendizado em Artes a atividades de colorir.
O resultado dessa prática aparece desde o início do Ensino Fundamental. Muitas
crianças afirmam que não sabem desenhar. Na hora da atividade, apresentam trabalhos
estereotipados, traçando casinhas com chaminé e árvore no jardim, montanha com
sol poente, gaivotas e homens-palito. Esses mesmos desenhos vão segui-las pela
vida toda.
No livro Arte na Sala de
Aula, Rosa Iavelbeg, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
aponta que os desenhistas têm idéias próprias sobre o que fazer e são elas que
regem suas ações e interpretações. O desenho não é simplesmente a representação
do mundo visível, mas uma linguagem com características próprias, que envolve
decisões individuais e de culturas coletivas. "Ao ter isso em mente, o
professor evita enquadrar os estudantes em visões parciais e deformadas sobre
os atos de desenhar e de ler desenhos."
Quando o desenho é desenvolvido na Educação Infantil (leia o quadro nesta
página), não ocorre o empobrecimento do grafismo, que, de acordo com alguns
autores, se dá a partir dos 9 anos. O "cultivo" envolve informação e
intervenção do professor e a interação do aluno com a produção dos colegas, com
o meio natural e cultural e com a prática de artistas.
Atividades desse tipo têm lugar no Centro de Educação Infantil Gente Miúda, em
Curitiba, e na EMEI Papa João Paulo II e no Instituto de Educação Santiago de
Compostela, ambos em São Paulo. A professora Rosângela Barbosa Ferreira de
Medeiros, da João Paulo II, planeja seu trabalho de forma que os alunos
desconstruam o mito de que não sabem desenhar. "Quero que valorizem suas
idéias e que não se submetam ao desenho figurativo só para agradar ao
adulto."
De acordo com Rosa Iavelberg, cabe ao professor articular as práticas das
crianças ao valor da arte na vida e na sociedade, às técnicas existentes e ao
conceito de desenho. Para isso, Mônica Cintrão defende a importância de
conhecer as transformações do desenho infantil (leia o item As etapas do
grafismo). Essas informações ajudam a avaliar e a planejar as intervenções que
devem ser feitas durante todo o ano letivo.
Diferentes materiais
Foto: Gilvan Barreto
Para agir de forma produtiva, o professor precisa ter consciência sobre
o que os pequenos devem aprender. Assim, pode se guiar pelas fases dos desenhos
e pelas práticas criativas das crianças. Para começar, é importante ampliar o
conceito de desenho. "Ele não é uma linha de contorno que representa um objeto.
É ação sobre uma superfície que produz algo para ser visto", explica Rosa.
Durante as aulas, é preciso criar constantemente situações em que a criança desenhe sobre o tema que quiser e experimente vários materiais - lápis, tinta, giz de cera, carvão - e diversos suportes - papel, chão, areia, parede...
A avaliação dos trabalhos também vai determinar a evolução das futuras produções artísiticas. Por isso, é necessário valorizar o desenho de todos e dialogar com os alunos sem impor o juízo estético adulto. Perguntar "o que é isso?" aos pequenos ou pedir que eles contem a história do desenho não é recomendável. "Isso induz a criança a tentar interpretar o desenho e a dar nome a traços que não foram feitos com a preocupação de serem nomeados. É preferível pedir que a criança fale do seu trabalho", diz Rosa.
Guarde as produções de cada estudante numa pasta e retome-as depois numa roda de apreciação. "Não importa se faz tempo que o desenho foi produzido. Mostrá-lo cria referência de que ele foi feito por alguém e pertence a um conjunto de obras", explica Rosa. Tudo isso contribui para a turma deslanchar e começar a elaborar traços mais criativos e bem compostos. Para que o trabalho tenha sucesso, é importante envolver os pais. É comum eles quererem ver as tais figuras desenhadas por adultos e coloridas pelos filhos na pasta de atividades no final do bimestre. Por isso, na próxima reunião, explique a importância do desenvolvimento criativo.
Durante as aulas, é preciso criar constantemente situações em que a criança desenhe sobre o tema que quiser e experimente vários materiais - lápis, tinta, giz de cera, carvão - e diversos suportes - papel, chão, areia, parede...
A avaliação dos trabalhos também vai determinar a evolução das futuras produções artísiticas. Por isso, é necessário valorizar o desenho de todos e dialogar com os alunos sem impor o juízo estético adulto. Perguntar "o que é isso?" aos pequenos ou pedir que eles contem a história do desenho não é recomendável. "Isso induz a criança a tentar interpretar o desenho e a dar nome a traços que não foram feitos com a preocupação de serem nomeados. É preferível pedir que a criança fale do seu trabalho", diz Rosa.
Guarde as produções de cada estudante numa pasta e retome-as depois numa roda de apreciação. "Não importa se faz tempo que o desenho foi produzido. Mostrá-lo cria referência de que ele foi feito por alguém e pertence a um conjunto de obras", explica Rosa. Tudo isso contribui para a turma deslanchar e começar a elaborar traços mais criativos e bem compostos. Para que o trabalho tenha sucesso, é importante envolver os pais. É comum eles quererem ver as tais figuras desenhadas por adultos e coloridas pelos filhos na pasta de atividades no final do bimestre. Por isso, na próxima reunião, explique a importância do desenvolvimento criativo.
Mundo colorido
Crianças
de 4 anos geralmente já têm noção de espaço e desenham dentro do limite da
folha, mas ainda não estabelecem uma escala de tamanho nem conhecem bem as
cores. Uma árvore inteira pode ser pintada de verde e ser do tamanho de uma
flor.
Para que os pequenos ampliem seu universo pictórico e percebam a diversidade de tons, formas e tamanhos, Nilciane Azamor Souza, professora da escola Gente Miúda, os leva para o parque. "Peço que prestem atenção nos detalhes das folhas, das flores, do tronco e da raiz e no tamanho da árvore em relação a outras plantas." Em classe, ela sugere que eles lembrem do que foi visto e pintem com guache e pincel.
Isso estimula a capacidade de reproduzir o que viram e permite perceber que o material e o suporte influenciam o desenho.
O que se vê
Para que os pequenos ampliem seu universo pictórico e percebam a diversidade de tons, formas e tamanhos, Nilciane Azamor Souza, professora da escola Gente Miúda, os leva para o parque. "Peço que prestem atenção nos detalhes das folhas, das flores, do tronco e da raiz e no tamanho da árvore em relação a outras plantas." Em classe, ela sugere que eles lembrem do que foi visto e pintem com guache e pincel.
Isso estimula a capacidade de reproduzir o que viram e permite perceber que o material e o suporte influenciam o desenho.
O que se vê
Foto: Reprodução
Estimulada
pela professora Rosângela, a turma de 5 anos da Escola Papa João Paulo II
desenvolve a percepção eo desenho dos detalhes do rosto. Tocando-se, os
pequenos vão percebendo a textura dos cílios, o contorno da boca, o traçado das
sobrancelhas e as curvas das orelhas. Eles também observam a própria imagem no
espelho e capricham nos detalhes ao desenhar cada uma dessas partes do rosto.
Na hora de fazer o desenho de observação, um colega vira modelo ao se colocar
dentro de uma moldura. Atento à representação que os colegas fazem dele, alerta
que está faltando a orelha, que seu nariz não é assim etc. Um intervém no
desenho do outro e, nessa troca, todos aprendem.
Teoria
As etapas do grafismo*
As
fases a seguir se sucedem, mas a idade em que elas se manifestam varia
De 2 a 4 anos - Garatuja
Desordenada - Movimentos amplos e aleatórios que não respeitam o limite da folha.
De 2 a 4 anos - Garatuja
Desordenada - Movimentos amplos e aleatórios que não respeitam o limite da folha.
Ordenada - Os rabiscos seguem o limite do papel.
Foto: Reprodução
De 4 a 6 anos - Pré-esquema
Boneco girino - Tem início o desenho da figura humana, com braços e pernas que saem da cabeça. Mais adiante, os membros saem do corpo.
Exagero - Não há proporção nem perspectiva. As figuras são grandes ou pequenas demais.
Omissão - Faltam partes do corpo ou do rosto. Um braço pode ser mais comprido que o outro.
Justaposição - As figuras são misturadas na folha, sem linha de base (chão e céu). Não há organização espacial. O sol pode surgir na parte de baixo.
Boneco girino - Tem início o desenho da figura humana, com braços e pernas que saem da cabeça. Mais adiante, os membros saem do corpo.
Exagero - Não há proporção nem perspectiva. As figuras são grandes ou pequenas demais.
Omissão - Faltam partes do corpo ou do rosto. Um braço pode ser mais comprido que o outro.
Justaposição - As figuras são misturadas na folha, sem linha de base (chão e céu). Não há organização espacial. O sol pode surgir na parte de baixo.
Foto: Reprodução
*de
acordo com Viktor Lowenfeld (1947-1977)
Fonte: Avaliação Escolar do Desenho Infantil: Uma Proposta de critérios Para Análise, tese de Mônica Cintrão
Fonte: Avaliação Escolar do Desenho Infantil: Uma Proposta de critérios Para Análise, tese de Mônica Cintrão
Garatujas
No início do ano, as turmas da escola Santiago de Compostela que completam 2 anos no período letivo desenham garatujas desordenadas e rabiscos aleatórios que extrapolam o limite do papel. Todos os dias, durante dois meses, a professora Beatriz Massini Tartalho incentiva a prática do desenho com lápis de cor e grafite, giz de cera e caneta hidrocor. Desenhando e observando o trabalho dos colegas, a criança percebe o limite da folha e ordena as garatujas. "Quando o tema é livre, os pequenos fazem movimentos ampols e desordenados, sem pensar na figura. Se o tema é bicho, eles começam a imaginar uma imagem e desenham formas mais definidas", diz Beatriz. Logo, estão dando nome aos desenhos.
Alimento estético
No início do ano, as turmas da escola Santiago de Compostela que completam 2 anos no período letivo desenham garatujas desordenadas e rabiscos aleatórios que extrapolam o limite do papel. Todos os dias, durante dois meses, a professora Beatriz Massini Tartalho incentiva a prática do desenho com lápis de cor e grafite, giz de cera e caneta hidrocor. Desenhando e observando o trabalho dos colegas, a criança percebe o limite da folha e ordena as garatujas. "Quando o tema é livre, os pequenos fazem movimentos ampols e desordenados, sem pensar na figura. Se o tema é bicho, eles começam a imaginar uma imagem e desenham formas mais definidas", diz Beatriz. Logo, estão dando nome aos desenhos.
Alimento estético
Foto: Gilvan Barreto
A
professora Rosângela leva para a sala de aula reproduções de arte de qualidade
de diversas épocas e lugares. Escolhe bons artistas, valoriza os contemporâneos
e dá preferência às cópias com boa definição. O material fica na caixa de
imagens, guardada sobre uma bancada, ao alcance de todos e ao lado de lápis,
giz, canetas hidrocor e papéis de vários formatos, tudo separado por cores.
Toda semana, ela atualiza o cantinho da apreciação, um cartaz com fotos de
rostos recortados de revistas e cartões- postais com obras contemporâneas e
auto-retratos de artistas como Vincent van Gogh (1853-1890), Pablo Picasso e Joan
Miró (1893-1983). É para lá que as crianças vão sempre que têm vontade ou
sentem necessidade de buscar uma referência enquanto desenham.
Arte comentada
Arte comentada
Foto: Gilvan Barreto
Na
roda de apreciação, aparecem descobertas individuais e coletivas sobre a arte
que todos estão produzindo. Alguns dias após terem feito um desenho, as
crianças da turma da professora Rosângela sentam-se em círculo para explicar o
que observaram no próprio trabalho, fazer comentários sobre o desenho dos
colegas e relacionar as obras com as figuras que viram na caixa de imagens. A
professora dá chance a cada um deles de falar sobre sua produção, sem atribuir
valor estético. Assim, todos vão construindo um repertório pictórico.
Aprimorar o desenho...
-
Possibilita a expressão pela linguagem pictórica, além da oral e escrita.
- Mostra o valor da arte na vida e na sociedade.
- Evita o empobrecimento gráfico e a produção de trabalhos estereotipados.
- Mostra o valor da arte na vida e na sociedade.
- Evita o empobrecimento gráfico e a produção de trabalhos estereotipados.
Quer saber mais?
CONTATOS
Centro de Educação Infantil Gente Miúda, R. Julia Wanderlei, 1205, 80710-210, Curitiba, PR, tel. (41) 3335-4425
EMEI Papa João Paulo II, R. Paulo Arentino, 870, 02998-140, São Paulo, SP, tel. (11) 3949-6814
Instituto de Educação Santiago de Compostela, R. Luis Molina, 70, 04116-280, São Paulo SP, tel. (11) 5572-0071
BIBLIOGRAFIA
Arte na Sala de Aula - Cadernos da Escola da Vila 1, Zélia Cavalcanti, 80 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 30 reais
Para Gostar de Aprender Arte - Sala de Aula e Formação de Professores, Rosa Iavelberg, 128 págs., Ed. Artmed, 34 reais
Centro de Educação Infantil Gente Miúda, R. Julia Wanderlei, 1205, 80710-210, Curitiba, PR, tel. (41) 3335-4425
EMEI Papa João Paulo II, R. Paulo Arentino, 870, 02998-140, São Paulo, SP, tel. (11) 3949-6814
Instituto de Educação Santiago de Compostela, R. Luis Molina, 70, 04116-280, São Paulo SP, tel. (11) 5572-0071
BIBLIOGRAFIA
Arte na Sala de Aula - Cadernos da Escola da Vila 1, Zélia Cavalcanti, 80 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 30 reais
Para Gostar de Aprender Arte - Sala de Aula e Formação de Professores, Rosa Iavelberg, 128 págs., Ed. Artmed, 34 reais
Foto: Reprodução
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