O que um bom projeto para Educação Infantil precisa
ter?
Ao escolher trabalhar com projetos, o
professor de Educação Infantil precisa ter foco e clareza de seus objetivos. Um
bom planejamento o ajudará a avaliar de forma permanente o projeto e a escolher
intervenções adequadas para responder às demandas das crianças durante o
percurso
Clélia Cortez - Revista Nova Escola ( www.novaescola.org.br)
1. Por que trabalhar com projetos na Educação
Infantil?
Proponho uma reflexão
sobre os sentidos da realização de projetos na Educação Infantil e os
desdobramentos dessa escolha metodológica na ação educativa.
São vários os aspectos
que devem ser considerados quando o professor escolhe esta modalidade
organizativa para desenvolver sua ação com as crianças. O primeiro e, sem
dúvida, o mais importante é o sentido que pode ser atribuído às aprendizagens.
Muitas vezes ouvimos os profissionais envolvidos no trabalho com crianças
pequenas contarem que desenvolvem projetos para trabalhar diversos temas
visando alcançar diferentes objetivos.
Há projetos que têm como
foco o desenvolvimento de comportamentos leitores ou visam à aproximação com
determinados conceitos científicos ou fatos históricos, enquanto outros são
voltados para os conhecimentos em arte. Enfim, são inúmeras as possibilidades
de pesquisas feitas com as crianças que podem ser organizadas por meio desta
forma de trabalho.
Os projetos podem reunir
uma série de condições favoráveis para que a escola assuma sua maior
responsabilidade: promover a construção de novos conhecimentos com sentido e
profundidade. Mas, para que isso ocorra, quais são os pontos a que o professor
deve prestar atenção?
Um aspecto muito
importante é a escolha do tema. A quem cabe essa decisão: ao professor ou à
criança? Reflexões feitas por professores em encontros de formação têm nos
mostrado que a ideia de que um projeto só é significativo quando surge com base
no que as crianças propõem é inconsistente. Algumas vezes, inclusive, sem que
tenha consciência disso, o professor afirma que baseia a sua prática em uma
abordagem democrática, mas, ao analisarmos com cuidado o planejamento e suas
escolhas, vemos que as decisões consideraram mais o ponto de vista do adulto do
que o da criança.
2. Foco do professor deve ser a ampliação dos
saberes
As crianças são ávidas
por conhecimento e o adulto pode potencializar esse interesse por tantos
assuntos oferecendo boas perguntas e bons cenários de pesquisa. Isso não
significa que o professor deve conduzir as ações considerando exclusivamente
seu ponto de vista. Ao contrário, um projeto visa dar sentido às aprendizagens
e isso ocorre desde o início, com a escuta do que pensam e narram as crianças e
a relação que ele estabelece entre essa escuta e os propósitos de aprendizagens
escolhidos para a atividade.
O papel do professor na
condução de um projeto é de mediador, um provocador de novos sentidos e
curiosidades. A intervenção acontece quando as crianças pedem e também quando
ele mesmo vê essa necessidade e considera que há tempo adequado para
acrescentar novas perguntas ou informações.
A atuação do professor,
embora não tenha caráter direcionador, em nenhum momento deve ser de abandono.
É preciso oferecer apoio constante para ampliar os saberes que circulam no
grupo. A cada momento, o professor toma uma atitude que considera a curiosidade
das crianças, as intenções da pesquisa, a possibilidade de intercâmbio de
opiniões, a negociação conjunta durante os momentos de socialização (que,
aliás, é uma intervenção permanente no projeto) e a oportunidade de
sistematizar os conhecimentos construídos pelo grupo para serem retomados e
discutidos ao longo do processo.
Outro aspecto que merece
atenção é o desenvolvimento do percurso de trabalho. Quando o professor decide
envolver um grande número de áreas em um mesmo projeto, não há dúvida de que
ele possui a boa intenção de ampliar os conhecimentos das crianças. Contudo, é
importante considerar que o excesso de conteúdos pode comprometer o
aproveitamento de todo o potencial de conexões entre os assuntos e a construção
de alguns conceitos. Para que a aprendizagem ocorra, é preciso envolver as
crianças com regularidade em contextos de pesquisa em torno de um mesmo assunto
e permitir que haja possibilidade de errar, socializar pensamentos, perguntar e
estabelecer relações entre um conhecimento e outro.
Quando o planejamento e
o desenvolvimento de um projeto transitam por muitos temas, as crianças podem
não aprofundar seu conhecimento. E o conteúdo que, inicialmente, deveria estar
no foco da intenção educativa termina por ser abordado somente de maneira
superficial.
3. Projeto bem planejado é o que dá mais
oportunidade de aprender
Estabelecer um foco
durante o planejamento do projeto é essencial para que as crianças possam
experimentar de fato o papel de pesquisadoras e serem protagonistas de sua
aprendizagem. Quando são fornecidos tempo e condições para a continuidade do
pensamento em torno de um assunto, as crianças têm mais oportunidades de
elaborar novas conexões e isso, com certeza, pode envolver outras áreas do
conhecimento. Mas é importante não perder a dimensão das expectativas de
aprendizagens e pensar em intervenções que possam tanto relacionar como
aprofundar os conceitos das diferentes áreas que serão trabalhadas.
Por exemplo, se o
professor tem intenção de trabalhar as características dos animais marinhos em
Ciências, é interessante que selecione boas referências de textos informativos
para apresentar às crianças. Mas isso não é suficiente para afirmar que está
tratando de procedimentos característicos das Ciências.
Muitas vezes, o trabalho
fica mais voltado para a leitura do que para a investigação científica
propriamente dita. Claro que isso não é um problema, se a escolha do projeto
for apenas trabalhar com textos de caráter informativo e muitas produções
interessantes podem surgir disso.
Porém, se o professor
deseja trabalhar tanto com leitura e escrita como com os conteúdos de Ciências,
é preciso estar atento a algumas questões. Nesse caso, o projeto deve
desenvolver atividades relacionadas à leitura e à escrita como: leitura feita
pelo professor, procedimentos para o estudo de um texto, seleção de elementos
que dialogam com a curiosidade das crianças, registro pelo professor de textos
orais elaborados pelo grupo etc.
E, para abordar os
conteúdos de Ciências, esse mesmo projeto deve incluir observação de fatos e
fenômenos, formulação de hipóteses, demonstrações e experimentos, reflexão
sobre as leituras em diferentes fontes, registros, além das discussões e
conclusões feitas de forma coletiva e individuais. Ou seja, também devem estar
presentes atividades que fomentem a curiosidade e a construção de novos
questionamentos relacionados às Ciências.
4. Curiosidade orienta o desenvolvimento do
projeto e a ação do professor
Outro ponto a ser discutido
é o tratamento destinado à curiosidade das crianças. Segundo o dicionário
Houaiss, a palavra curiosidade está relacionada com o "desejo intenso de
ver, conhecer, experimentar alguma coisa nova, original, pouco conhecida ou da
qual nada se conhece"; "vontade de aprender, saber, pesquisar",
ou ainda, "desejo irrequieto".
É inegável que as
crianças possuem desejo constante de novos conhecimentos e isso pode ser
explorado cuidadosamente em um projeto. Cabe ao professor selecionar o que é
essencial para determinado processo de pesquisa e cuidar para que as perguntas
elaboradas sejam de fato ferramentas para a reflexão.
Trabalhar a curiosidade
significa promover a interação da criança com ambientes desafiadores que guiem
seu pensamento para o que está em foco na investigação. É preciso ter em mente
que os contextos planejados podem tanto alargar as experiências como
restringi-las. Por isso, colocar as crianças como protagonistas de suas
aprendizagens significa interagir com as suas narrativas e expressões, interpretá-las
e sempre relacioná-las com a intencionalidade do projeto.
Essa não é uma tarefa
simples. Exige reflexões constantes por parte do professor durante o
planejamento e a ação. Por exemplo, se a intenção é gerar contextos
significativos de leitura que favoreçam a imersão das crianças nas narrativas
de qualidade, o professor pode planejar seu projeto levando em consideração a
seguinte questão: o ambiente criado para a leitura (o acervo, o acesso aos
livros na biblioteca, a organização do espaço da sala etc.) é convidativo?
Outras perguntas podem
ser feitas: ao realizar a leitura do livro Chapeuzinho Vermelho em voz alta,
por exemplo, o que as crianças poderão aprender com essa situação? Que
intervenções podem ser antecipadas com base nas intenções de aprendizagem do
projeto? A sequência de planejamento do projeto garante espaços para que as
crianças recuperem e compartilhem suas observações sobre os textos apreciados?
Com base nos conhecimentos que apresentam e, de acordo com o que foi colocado
como intenção de aprendizagem, o que é preciso contemplar nos próximos
planejamentos? Como esse projeto pode contribuir para que a leitura seja uma
ação permanente na rotina do grupo?
Perguntas como essas
podem ajudar o professor a conhecer mais as crianças com as quais trabalha e
também a refletir sobre os objetivos e encaminhamentos pensados para o projeto.
5. Planejar sem abrir mão da flexibilidade
Outros aspectos que
merecem destaque estão relacionados ao planejamento das etapas do projeto
didático e a socialização de seus propósitos com o grupo. Cada situação
planejada precisa apresentar bons problemas e relacionar os conhecimentos
prévios das crianças com os novos, segundo o que o professor considera
pertinente.
Há uma relação estreita
entre o conjunto de intenções levantadas pelo professor e que foi compartilhado
com as crianças como sendo as metas do projeto. Se o professor tem como
objetivo principal ampliar o conhecimento sobre contos de fadas e combinou com
elas a escolha dos textos para leitura e apresentação à comunidade escolar, é
importante planejar situações que garantam a apropriação de determinadas noções
antes de chegar a esse propósito final.
Portanto, o professor
deve garantir a continuidade e diversidade de leitura dos contos, selecionar
com as crianças os preferidos, ler daqueles que serão recontados, registrar e
revisar os textos ditados, enfim, envolver as crianças de fato na resolução do
problema que foi compartilhado durante o projeto.
O desafio (que, sem
dúvida, requer empenho) é criar condições para que expandam as suas
experiências e não para que fiquem dando voltas em torno do que já sabem.
Vale salientar que o
planejamento, além de dialogar o tempo todo com as intenções de aprendizagem,
demanda flexibilidade nas intervenções, pois não é possível prever tudo o que
as crianças podem falar, pensar e relacionar após serem estimuladas por
perguntas, pelos contextos de pesquisa, pelo acesso às informações de variadas
fontes e, sobretudo, pela socialização dos conhecimentos com o grupo.
Ao trabalhar com
projetos, o professor torna-se também um pesquisador do pensamento das
crianças, dos conhecimentos pertences à cultura e da sua própria prática.
Depois de um intenso movimento de investigação com e sobre as crianças é
impossível não aprender também sobre si mesmo.