quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Para ter criatividade, resiliência e coragem é preciso Brincar

Por Giovana Barbosa de Souza, gestora institucional da Aliança Pela Infância
O que é criatividade? é o exercício do ato da criação, da experimentação  de provar as coisas que dão certo e as que não dão, de experimentar nossos limites, nossos desafios e nossos medos. Essa ação começa com o exercício  da vida por meio do Brincar.
No ato da descoberta entramos  em contato com todas as possibilidades, descobrirmos por meio do concreto, dos fatos que os objetivos  se encaixam, que outros rolam, que existem superfícies que são mais macias e outras são rugosas.
No caminho da descoberta da vida experimentamos cheiros e sabores. E todas essas referencias vão nos fornecendo informações que vão dando a bagagem de vida para construirmos nosso repertório. Com o tempo nos desconectando do prazer que estas tentativas maravilhosas de descobertas proporcionaram. Talvez porque a medida que experimentamos, muitas vezes  estamos também em contato maior com alguns risco, risco de cair, de ter acesso a sensações que não são só prazerosas.
Assim, todos nós nos tornamos seres humanos por meio das nossas tentativas e descobertas, descobrimos o Brincar, atividade  que nos acompanha desde que nascemos, pois é por meio do brincar que descobrimos as relações na vida. Que elaboramos quem somos. As brincadeiras e o exercício do brincar – que explora e que descobre novas possibilidades  – são momentos vivos de criatividade.
Todos nós nascemos criativos, todos nós criamos muitas coisas em nossas vidas, é na infância por meio do contato com objetivos mais próximos que vamos explorando a vida, ao nome dessa sucessão de tentativas é chamado processo criativo. São momentos deliciosos e que muitas vezes vem acompanhado de humor. Possibilita a todos a amabilidade, a abertura para o novo e para a socialização. Quando as crianças começam a crescer vivenciando momentos como estes, logo querem compartilhar suas descobertas, são momentos mágicos.
Com a chegada do século XXI  tão cheio de excessos: o de cuidado com as crianças e a contrapartida: o excesso de falta de cuidado em tantos aspectos, resultam em crianças perdidas e com cada vez menos oportunidade e chance de exercitarem a criatividade. Um exemplo são os raros momentos em que as crianças têm a chance de brincarem sozinhas, elas acessam uma série de possibilidades incríveis, mas com o excesso de preocupações que quase todos temos , cada vez menos as crianças podem brincar sozinhas.
Um fato muito comum é quando uma criança ganha um determinado brinquedo e o adulto que está mais próximo, às vezes o pai ou a mãe ou até mesmo a avó, não se contém diante do tempo da criança explorando o objeto e simplesmente começa a ensinar a criança, dizendo olha “funciona assim e não assim”, “olha faça assim”.
Uma grande possibilidade para fomentar esse processo é proporcionar ambientes com materiais não estruturados, ou seja, ambientes onde as crianças possam construir seus brinquedos a partir de elementos simples, como folhas de árvores, pedrinhas, pedaços de madeira ou caixas de papelão.
Pequenos cortes no processo criativo – que quase sempre não são perceptíveis aos adultos, mas que acontecem com frequência -,  contribuem  para que as crianças, aos poucos, deixem de acessar as possibilidades de tudo que está à sua volta, aos poucos elas perdem a coragem de serem naturalmente criativas.
Outro fato muito complicado é que, também aos poucos, profissionais que atuam diretamente com crianças estão constatando que elas, por medo de serem repreendidas, estão cada vez mais com medo de experimentar as possibilidades físicas, como por exemplo correr em ambientes abertos. Muitas crianças ouvem tanto que não é bom correr pois podem se machucar que quando elas tem acesso ao espaço onde podem experimentar suas capacidades e seus limites físicos elas não fazem por medo.
E o que é a coragem? é a ação que vem do coração. A coragem é irmã da confiança. Quem de nós nunca cometeu um ato de coragem? Pare por uns segundos e procure na sua memória quando foi seu último ato de coragem? Tenho certeza que logo que você se lembrar, virá imediatamente uma sensação maravilhosa de superação.
Todos nós já vivemos inúmeros momentos de coragem, mas a nossa vida conduzida por um ritmo alucinante nos impede de termos mais conexões com nossas próprias memórias como estas. Elas são fundamentais, pois a vida é repleta de desafios, sem coragem e sem confiança somos adultos reféns da depressão, da insegurança e do medo.
A possibilidade de começar uma brincadeira onde a criança tropeça, cai e levanta e começa de novo é uma pequena imagem da criança que tem força para recomeçar e tentar novamente até saber o que funciona e que não funciona.
Trata-se de uma imagem que ilustra  o que todas as crianças precisam, elas precisam ter criatividade para explorar a vida e confiança de que vale a pena tentar sempre, pois a vida é bela e verdadeira. Essa capacidade é chamada de resiliência, que significa o talento de levantar apesar do tombo dolorido. De aprender que não é tudo que podemos e que devemos fazer,  mas que ainda assim, cada um de nós tem a chance de viver novas possibilidades com alegria sabendo que vale a pena seguir em frente.
Com o compromisso com estes três conceitos, a Semana Mundial do Brincar, que acontece na última semana de maio, trás este ano um convite para que possamos visitar a infância de cada de nós e reconfigurar nosso compromisso humano com as crianças que estão chegando,  para que vida continue a seguir um fluxo de sermos humanos mais respeitosos, mais amorosos e mais confiantes.
Por Giovana Barbosa de Souza, gestora institucional da Aliança Pela Infância

A criança 0 a 3 anos - Observação e Movimento

POR SUZANA MACEDO SOARES
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        Saber observar a criança pequena é a chave para interagir com ela. Para isso, é preciso aprender a escutar, olhar e sentir o que ela tem a expressar e a comunicar com sua linguagem corporal. Mas, esta atitude de observação deve ser treinada e afinada pelo educador, para que aos poucos se estabeleça entre ele e a criança um vínculo, uma relação de qualidade que favoreça a troca de afeto e o aprendizado.
      A partir de sua vinda ao mundo, o bebê já pode interagir, de acordo com o seu ritmo próprio, que se transforma no decorrer do desenvolvimento. Mas, muitas vezes, um adulto mal preparado estabelece um verdadeiro monólogo no contato com um bebê, demonstrando dificuldade de enxergá-lo como um ser ativo, como alguém que possui capacidade expressiva e comunicativa.
     André Trindade nos aponta a importância da observação corporal. “Como compreender e atender esse pequeno ser que fala uma língua própria? Pela linguagem do corpo encontraremos alguns caminhos de comunicação que podem ser aprendidos por nós adultos”. (Trindade, 2007, p. 18 e 19).
     Este treino de observação pode melhor acontecer em um ambiente preparado, onde a criança pequena se sinta segura e motivada para se locomover livremente, explorando objetos adequados a ela. Neste local, ela pode vivenciar situações de acolhimento, limites e desafios. Entre estes desafios está a interação com os objetos, os adultos e as outras crianças, que representam mediadores importantes no aprendizado, assim como as questões relativas ao espaço e ao tempo.
     Se a ferramenta principal do educador é a observação, ele vai utilizar o saber adquirido a partir desta prática, na organização do tempo, do espaço e dos materiais no ambiente, de modo a favorecer as interações criança/criança e educador/criança, sendo que as crianças pequenas utilizam sua capacidade e sua autonomia para escolher com que objeto, com quem e como vão interagir.
     Emmi Pikler também se baseia nos conceitos de vínculo, observação, autonomia, brincadeira livre e movimento e suas pesquisas com crianças de 0 a 3 anos, realizadas durante os anos em que dirigiu o Instituto Lóczy, um abrigo em Budapeste, muito tem a nos ensinar.
      O papel do educador, segundo a abordagem Pikler-Lóczy, envolve muita observação e bastante cuidado com a interferência direta nas brincadeiras, para não tolher as iniciativas das crianças e promover um sentimento de competência. É fundamental respeitar o ritmo sem interromper a ação e o movimento e, também, confiar na capacidade de cada criança.

As Descobertas da Neurociência e o Brincar

POR MARILENA FLORES MARTINS
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Brincar está voltando ao centro de atenções, tanto nos meios acadêmicos e científicos quanto por parte dos gestores de políticas públicas. Podemos afirmar que, finalmente, os adultos, sejam pais, profissionais ou agentes públicos estão começando a valorizar as brincadeiras como meio fundamental para o desenvolvimento integral das crianças e das relações sociais pacíficas e cidadãs.

A neurociência comprovou que no decorrer de todo o processo de desenvolvimento, mesmo antes do nascimento, o cérebro é influenciado não apenas pela herança genética, mas também pelas condições ambientais, incluindo o tipo de criação, cuidados, ambiente e estimulação recebidos pela criança.

Os cientistas de várias disciplinas já compreenderam a importância do ato de brincar, pois ele abrange um amplo leque de experiências e comportamentos que influenciam diretamente o desenvolvimento das habilidades e competências das crianças, tanto em relação ao aprendizado, quanto ao desempenho afetivo-emocional e social.

Definir o que é brincar parece fácil, mas não é. Ele tem padrões determinados. As teorias que estudam as crianças concordam que brincar é importante e que ele existe para algum propósito. Isto implica em dizer que, quando a criança brinca, alguma coisa acontece. Alguns dizem que a criança aprende pela brincadeira, se torna emocional e fisicamente saudável e muito mais. Resumindo, toda a sorte de coisas boas acontece por causa das brincadeiras. Isto é bom para as crianças, por ser natural para elas. As crianças brincam o tempo todo, em qualquer lugar e não precisam dos adultos para isso. É só observá-las em locais onde aparentemente não há nada para brincar, como em um supermercado ou feira livre, por exemplo.

O problema é que os adultos têm o hábito de interferir, ou na melhor das hipóteses, de ajudar. No caso do brincar, parece que muitos deles gostam de “dar uma mãozinha” para que o brincar faça o que eles acham que deva fazer. Isto só acontecerá se deixarmos com que as crianças brinquem sozinhas. Porém, algumas interferências podem ajudar. Por exemplo: professores podem utilizar jogos para desenvolver habilidades importantes para o currículo escolar; especialistas podem usar brinquedos para tornar a estada de crianças no hospital, mais amena e comunicar a elas o que irá acontecer enquanto estiverem lá.

A formação do vínculo positivo e harmonioso entre os seres humanos se inicia no vínculo mãe e filho, com as primeiras trocas de sorriso, carinho e alegria, gerando confiança e produzindo um modelo que se replicará por toda a vida. Á medida em que as crianças crescem e se desenvolvem, suas habilidades e competências começam a emergir pela exploração das brincadeiras, principalmente as que promovem a estimulação sensorial. Assim, brincar com objetos coloridos, de diferentes texturas e sons na primeira infância, pode contribuir para o surgimento de pessoas bem sucedidas e talentosas, fato já comprovado por pesquisas científicas, em diferentes países.

Os adultos que têm sucesso na sua vida pessoal e profissional, certamente, são os que tiveram uma infância com muitas oportunidades para brincar e conviver alegremente com seus pares, além da própria família. Não podemos nos esquecer de que o brincar acontece quando as crianças fazem o que têm de fazer, isto é quando deixadas por sua própria conta para decidir do que brincar e com quem brincar.

Para realmente oferecermos às crianças as oportunidades adequadas para brincar, precisamos lembrar que elas tanto podem ser um pouco de terra com água para fazer um “bolo”, quanto uma lente de aumento para observar formigas. Resumindo, se conduzido pela criança é brincar, se conduzida pelo adulto é atividade.

Esta seria a melhor definição para o papel do adulto que conhece e respeita a necessidade de brincar das crianças: “É a arte e a ciência de facilitar a brincadeira das crianças”. Facilitadores são pessoas que tornam as coisas mais fáceis para os outros. As pessoas que utilizam essa metodologia fazem com que brincar fique mais fácil para as crianças.

Lembramos ainda que brincar também é um direito da Criança, assegurado pelo Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança que, no seu Comentário Geral (www2.ohchr.org/english/bodies/crc/comments.htm ) sobre o mesmo destaca que governantes e legisladores devem adotar medidas específicas, visando respeitar e proteger o direito de cada criança, individualmente ou em grupo, para atender aos seus direitos segundo o Artigo 31, incluindo entre outros:

• Apoio para profissionais, pais e cuidadores com orientação, facilitação e apoio sobre o Artigo 31, o que pode ser na forma de orientação prática;

• Atuação para desafiar atitudes culturais muito difundidas que agregam pouco valor aos direitos contidos no Artigo 31, incluindo informação pública sobre o significado do mesmo e medidas para desafiar atitudes negativas difundidas;

•   Legislação para garantir o acesso de cada criança, sem discriminação em nenhum nível, às oportunidades oferecidas pelo Artigo 31;

• Legislação e planejamento para assegurar que cada criança tenha tempo e espaço suficiente em sua vida para o exercício dos direitos contidos no Artigo 31, juntamente com cronograma de execução e recursos suficientes para a mesma.

No entanto, será preciso a participação de todos os atores sociais, para oferecer à Primeira Infância, as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento, com conseqüências positivas para toda a sociedade brasileira. Neste sentido, o aprofundamento dos estudos sobre o brincar contribuirá para a compreensão das bases ideais para que esse desenvolvimento ocorra de forma harmoniosa e consistente.

Marilena Flores Martins é Assistente Social, consultora na área do brincar e do Desenvolvimento Social. Co-fundadora da IPA Brasil- Associação Brasileira pelo Direito de Brincar e à Cultura (www.ipabrasil.org).
Ilustração: Jeff Camargo

quinta-feira, 1 de outubro de 2015


Diretrizes em ação



Calçados viraram vasos e tampas de garrafas, borboletas








Tudo começou com a história do Gato Murrun, ou Murrungato, um felino levado que usou um sapato para escapar do frio em uma noite chuvosa. Ao acordar teve a surpresa de dividir o sapato com uma linda e colorida planta. Trabalhando o conteúdo do livro e enchendo o tema de criatividade a equipe do CEI Tempo Feliz, do bairro Nossa Senhora de Fátima, transformou calçados em vasos com lindas flores e tampas de garrafas viraram grandes borboletas.
A iniciativa da professora Neusa da Silva trabalhou cores, cooperação, trabalho em grupo, natureza, entre outros temas com alunos entre três e seis anos, por um período de dois meses. “Foi uma atividade muito prazerosa e positiva. Iniciamos com a história do gato, depois veio a pintura nos sapatos onde as flores foram colocadas, a confecção das borboletas e de outros itens, com material reciclável e, por fim, a decoração do pátio da escola”, explica.
A diretora Elisandra Borges Fernandes comemorou o resultado da atividade que também contemplou a primavera. “O resultado foi surpreendente. Não somente pela beleza dos trabalhos produzidos, mas pelo que levou a cada criança. Elas trabalharam a primavera com um encanto singular, o trabalho em grupo com muita harmonia, além dos cuidados com a natureza”.
Já a pequena Otavia Teixeira Guetner da Silva, de cinco anos, ficou encantada. “Foi legal participar da atividade. Ajudamos pintar, colar e plantar. Nossa escola ficou ainda mais bonita”.
O CEI Tempo Feliz tem atualmente 75 crianças matriculadas, sendo 18 em período integral. O funcionamento é das 8h ás 17h.

Colaboração: Imprensa PMI

Muito além de carimbar os pés e as mãos

Criança pequena usa principalmente os sentidos visual e tátil para “ler” o mundo e se expressar por meio de materiais, suportes e técnicas.
Quem trabalha com crianças pequenas sabe como lidamos todos os dias com suas conquistas e desenvolvimento. No entanto, diversas pessoas ainda desconfiam de como pode acontecer o trabalho com os pequenos. É comum ouvirmos muitas perguntas: o que você faz com uma criança de 1 ano? Como as crianças se comunicam se ainda não sabem falar? Ah! Mas para que gastar determinado material com crianças que não entendem nada?
Foto: Mariana Americano
Foto: Mariana Americano
Sabemos que as crianças de 1 ano são curiosas, que usam diferentes partes do corpo para conhecer o mundo. Elas acabaram de dar os primeiros passos e ainda estão incorporando esse movimento à sua rotina. E assim como andar, podem cantar, explorar instrumentos, dançar, rolar, desenhar, descobrir o próprio corpo e o do outro. Usam as mãos para descobrir este mundo novo e logo trazem tudo para perto de si, para a barriga, para a boca, para o rosto. Querem sentir, conhecer, ver mais do que os olhos mostram.
Está cada vez mais claro para nós, educadores, que precisamos considerar essas características nas atividades que propomos. E uma das formas de incentivar esse processo é criar o espaço adequado e estipular o tempo necessário para que isso aconteça. Assim, uma das atividades que podem colaborar com esse crescimento é a realização de um Ateliê de Artes, um momento específico do dia para trabalhar com as diferentes linguagens expressivas, dentre elas as atividades plásticas.
Devem ser oferecidos diferentes materiais, instrumentos e suportes para serem explorados pelos pequenos com o corpo e pelo corpo. Deve-se tomar todo o cuidado necessário no momento de preparar essa atividade para que cada material seja devidamente apresentado às crianças. Como educadora, neste momento, observo e auxilio o encontro deles com os materiais.
Experiências no Ateliê
Mas o que exatamente acontece nesse momento com crianças tão pequenas?
O corpo comunica, a mão descobre o corpo e descobre o outro. Você já percebeu como algumas crianças gostam de sentir a tinta fria se espalhando na barriga, chegando até a experimentar o seu gosto? É dessa maneira que estamos instigando e respeitando o jeito de ser das crianças, nas descobertas das diversas linguagens. Pensando nas peculiaridades infantis, preparamos as nossas propostas de Ateliê. Introduzimos novas possibilidades de expressão da criança, respeitando esse desejo de conhecer o mundo por meio do próprio corpo. Planejamos propostas diferentes para um mesmo material: tinta na mesa com as mãos, tinta no papel individual com pincel ou tinta no papel coletivo com rolinho. Percebemos que as três propostas acabam passeando pelo corpo, e, por mais que deixemos claro que “hoje nós vamos usar o pincel e vamos pintar o papel”, conseguimos entender como para as crianças ainda é muito importante sentir a tinta e espalhá-la pelo próprio corpo. Aos poucos, elas vão diferenciando esses momentos, mas agora estão vivendo intensamente essa fase na qual o corpo fala mais alto.
O planejamento da atividade deve contemplar a apresentação dos diferentes materiais, suportes e instrumentos. Claro, independente da idade das crianças, consideramos essa apresentação, mas a especificidade aqui é a descoberta. Entrar em contato, pela primeira vez, com determinado material faz que essa atividade comece de outra maneira, respeitando as sensações e emoções que podem ser provocadas. Se for uma atividade de desenho, podemos oferecer diversos riscadores: lápis, caneta, giz de cera, giz de lousa, giz pastel, carvão, gravetos, enfim tudo o que possa deixar uma marca.
Numa atividade de tinta, podemos utilizar tintas de diferentes texturas e densidades, além de instrumentos diferentes: pincéis variados, rolinho, esponja, cotonete, algodão, entre outros. Nas duas atividades, podem ser considerados os mais diversos suportes, planos e interferências. Um dia pode ser oferecida a mesa da forma convencional, convidando os pequenos a se sentarem nos banquinhos e, em outro, estimulando-os a trabalharem de pé. Também há a possibilidade de alterarmos os planos. Para isso, colocamos um papel na parede e, assim, podemos brincar com a altura do papel e propor um jogo de esticá-lo ou de abaixá-lo, registrando tais marcas. Em outro momento, propostas para que os pequenos trabalhem sentados no chão, com ou sem suportes.
Os recursos do Ateliê e as crianças
E para que tudo isso? Para instigar a curiosidade, para experimentar, sentir prazer e se expressar. Falar e deixar o corpo falar. Ao entrarem em contato com esses materiais, as crianças se expressam e ficam curiosas para descobrir diferentes modos de utilizá-los. Nesse momento não há certo nem errado, existem possibilidades de ampliação do repertório de cada um e do grupo. Assim como não há uma atividade que deu errado, aprendemos a lidar com as nossas expectativas em relação ao que foi planejado, pois muitas vezes a atividade começa de acordo com o que foi proposto e, à certa altura, segue por outro caminho.
Cabe a nós, educadores, planejar e formular hipóteses possíveis de continuidade da atividade. Não é porque um material não foi aceito num dia que ele tem de ser descartado. Nunca me esqueço da cara de aflição de um grupo de crianças a primeira vez que colocaram as mãos na tinta misturada com areia. Naquele dia não houve jeito de fazê-las gostar da atividade proposta, nem mesmo quando nós, adultos, trabalhamos com elas, com a mão literalmente na massa.
Passado algum tempo, os pequenos aceitaram a atividade, completamente felizes com a possibilidade de misturar tinta e areia. A escolha dos suportes é mais um recurso para ampliar o repertório e possibilitar que o corpo trabalhe em diferentes posições. Eles podem ser móveis como papéis, papelões e caixas, ou fixos como o chão, a parede, um vidro, a mesa e até mesmo o próprio corpo. Todos esses suportes podem ser oferecidos pelos professores ou mesmo escolhidos pelas crianças.
Nesse momento, não devemos nos restringir apenas à pintura. Há também modelagem, desenho, colagem e misturas, que são técnicas que oferecem outras formas de expressão das crianças. Ou até mesmo fundir as linguagens, como no caso de uma proposta com farinha de trigo. A farinha pode ser oferecida para as crianças em potinhos espalhados pelo chão com alguns pincéis. Ao som de uma música agradável, as crianças começam a manipular a farinha com os pincéis, depois com as mãos, com a barriga, dançando, deslizando os pés sobre a farinha esparramada no chão. O interessante é que cada criança interage com o material de acordo com a vontade individual. Assim, num mesmo momento, podemos observar crianças muito concentradas, fazendo desenhos minuciosos com o pincel; outras, às gargalhadas, fazendo cócegas com o pincel pelo corpo; algumas fazendo “nuvens de fumaça”, jogando a farinha para o alto; outras apertando a farinha entre as mãos; as que migraram para o plano alto, deslizando-se pelo espaço, deliciando-se com o poder escorregadio da farinha. Assim, como nessa atividade, há diversas outras que propiciam igual riqueza de conteúdos, de envolvimento e de expressividade.
Como a criança se expressa
A criança dessa idade não está preocupada em criar formas definidas nem com o produto final. Para nós, professores, é difícil saber em que momento a criança considera a atividade concluída. Algumas dão a atividade por encerrada porque estão satisfeitas; outras, porque se sentiram atraídas por alguma coisa; e há crianças que ficam tão envolvidas com a atividade que, às vezes, precisam de ajuda para sua conclusão. Durante o trabalho, algumas delas ficam aflitas com a possibilidade de se sujar e querem logo se lavar. Nós, educadores, devemos respeitar essa vontade e, à medida que o vínculo se estabeleça com a criança, podemos propor a continuação do trabalho ou, se for o caso, entender que, para essa criança, a atividade já está concluída. As intervenções, nessa faixa etária, estão diretamente ligadas ao tipo de vínculo estabelecido entre o adulto e a criança.
Essas crianças estão envolvidas com a descoberta e absorvidas pelos prazeres motor e sensorial despertados pela atividade proposta. Quando começam a trabalhar, elas estão muito mais motivadas pelo prazer motor; braço e instrumento parecem uma coisa só, e o corpo também trabalha como um bloco. Aos poucos, sua concepção corporal vai mudando e elas vão adquirindo mais coordenação motora. Conforme o movimento é realizado, elas percebem os efeitos produzidos.
Com crianças de 1 ano, é muito difícil elas se darem conta do que estão produzindo. Cada gesto e cada movimento feito ganham o encantamento da percepção desse prazer motor, aliado a todo o prazer sensorial despertado pelo contato com os materiais, temperaturas e texturas diferentes. A variação das características dos materiais oferecidos é ótimo exemplo de como trabalhar as sensações. Os materiais podem estar à disposição simultaneamente: um papel liso e um papel lixa, uma mistura tipo finger1 bem quentinha e uma tinta guache, normalmente geladinha. Ou então a variação dessas características pode ser experimentada em dias alternados, vivenciando as sensações sem a preocupação da comparação. E mesmo que os prazeres motor e sensorial sejam destacados, não deixamos de pontuar os efeitos produzidos.
Vale destacar que somente mais tarde é que o prazer visual vai ganhar espaço. Cada criança descobre um jeito próprio de se expressar, e nós, mais do que observadores, podemos ampliar esse repertório, mostrando algumas formas de segurar os instrumentos e salientando as descobertas feitas, que podem ser enriquecedoras para todos.
Algumas vezes os pequenos fazem o esperado, mas também nos surpreendem com o inusitado. Durante a intervenção do professor na atividade, é importante apoiar as descobertas feitas pelas crianças e auxiliá-las quanto ao uso dos materiais. Assim, oferecemos, por exemplo, troca de cores ou outro material ainda não utilizado. Às vezes, a simples admiração do trabalho realizado pelas crianças e a atenção dada durante todo o processo dão a elas a segurança para continuar as investigações.
Em decorrência da mescla de atividades individuais e coletivas surge a possibilidade do encontro dos trabalhos realizados individual e coletivamente. Muitas vezes uma criança observa o que a outra está fazendo e quer imitá-la ou procura outras maneiras de se expressar. Algumas querem ensinar o que sabem aos amigos, outras usam o amigo como suporte. Cabe a nós observar e perceber se é necessária uma intervenção ou não.
Certa vez, numa atividade de desenho, um menino desenhava muito concentrado, sentado em seu banquinho, enquanto o amigo só queria fazer seu carrinho passear pela parede. Em determinado momento, os dois se encontraram e, juntos, produziram um novo desenho. Traço de um e traço do outro; encontro de giz, de carrinho e de muita cumplicidade. Assim, preserva-se a expressão de cada um e privilegiam-se encontro e descoberta do trabalho realizado conjuntamente. É uma forma de dividir o espaço e de compartilhá-lo.
Repetir uma mesma proposta com a turma pode ser uma experiência bastante enriquecedora, porque ela pode instigar a criança a explorar um determinado material de outra forma. Repetir o que foi feito no dia anterior pode fazer que a criança se aproprie do conhecimento produzido e se sinta segura para explorar mais. Dessa forma, buscamos sempre o equilíbrio entre a novidade e a repetição. Uma busca pela observação do grupo, um olhar delicado que tenta captar a conversa de cada um com o seu trabalho e com o próprio corpo.
(Mariana Americano, formadora do Instituto Avisa Lá e professora de Educação Infantil da Escola Viva, em São Paulo – SP)
1Pintura produzida com os dedos.
Foto: Mariana Americano
Foto: Mariana Americano

Dicas para observação do professor:

Materiais – como a criança:
  • entra em contato com o material.
  • lida com a variedade de materiais.
  • reage quando se suja.
  • interage com o material.
Suportes – Se a criança:
  • aceita o suporte oferecido.
  • se detém nos limites do suporte.
  • cria um jeito de utilizar o suporte.
Instrumentos
  • Como a criança segura os instrumentos.
  • Se a criança aceita os instrumentos oferecidos.
  • Se a criança busca alternativas de segurá-los.
Intervenção do professor
  • Cuidar da segurança e do bem-estar da criança.
  • Auxiliar a criança a conhecer os materiais, suportes e instrumentos.
  • Oferecer possibilidades à criança, auxiliando na pesquisa de cada um.
  • Mostrar os efeitos produzidos, ressaltando a autoria de cada um.
  • Auxiliar na finalização dos trabalhos, na limpeza do corpo.
  • Organizar o ambiente.

Ficha Técnica

  • Professora: Mariana Americano
    E-mail: americano.mariana@gmail.com
  • Escola Viva
    Endereço: Rua Prof. Vahia de Abreu, 664 – Vila Olímpia. CEP 04549-003 – São Paulo – SP. Tel.: (11) 3040-2250 Site: www.escolaviva.com.br

Para saber mais

Livro
  • Baby-Art – os primeiros passos com a arte, de Anna Marie Holm. São Paulo: Museu de Arte Moderna (MAM), 2007. Tel.: (11) 5085-1300. E-mail: atendimento@mam.org.br. Site: www.mam.org.br

Este conteúdo faz parte da Revista Avisa lá edição #47 de agosto de 2011. Caso queira acessar o conteúdo completo, compre a edição em PDF ou impressa através de nossa loja virtual –
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